Precursores do Rock’n’Roll mundial brindaram Santos com uma presença marcante.
Era uma sexta-feira, 25 de abril de 1958. Pelo menos dez mil pessoas, a maior parte jovens entre 16 e 18 anos de idade, se acotovelavam na entrada do Ginásio do Clube Atlético Santista, o tradicional verde e branco de Santos, a fim de conseguir o melhor lugar para ver de perto, com os próprios olhos, e ouvidos, um show inesquecível, da famosa banda norte-americana responsável por colocar o rock’n’roll nas paradas de sucesso global. Santos recebia em sua casa Bill Halley and His Comets (Bill Haley e seus Cometas).
A iniciativa era da então existente TV Santos, subsidiária da TV Paulista, canal das Organizações Victor Costa, que não poupou esforços para fazer descer a Serra do Mar a famosa banda de rock, de passagem pelo Brasil.
A concentração do público santista começou cedo, às 19 horas, com filas que rodeavam o quarteirão. Predominava entre a garotada o elemento juvenil, quase uniformizado, com blusas vermelhas, “blue jeans”, sandálias, chicletes e barulho, muito barulho.
Os dirigentes do clube santista, desejando proporcionar um espetáculo completo, ainda arquitetaram uma programação mista, que incluía uma peça de teatro apresentada por um grupo da capital, a partir das 20h45. Na sequência, subiriam ao palco, a fim de entreter a garotada antes do espetáculo, alguns elementos de prestígio da rádio e televisão. Porém, chegara uma ordem dos órgãos de censura federal para que fosse substituída a peça programada por uma outra do repertório de Palmeirim Silva, famoso ator cômico brasileiro na época. E o espetáculo começou.
O ESPETÁCULO QUE NÃO COMEÇOU
Após as agitações por conta da procura de lugares, o tradicional gongo abriu a sessão. O cenário já estava armado quando entraram os primeiros intérpretes de “Papai é Valdevinos” (peça de Palmeirim). No entanto, nenhuma palavra pôde ser ouvida, pois a garotada resolveu tomar conta da cena, gritando: “Não queremos teatro! Não queremos teatro!”.
As advertências e os apelos proferidos ao microfone se perdiam no meio da algazarra. Quase todos os jovens exigiam rock e pediam a retirada dos atores. E começaram a surgir aviões de papel, maços de cigarro e um pandemônio de objetos inofensivos, partidos de todos os cantos. Havia reprovações por parte do público mais velho. Mas a voz mais forte pareceu vencer, já que o espetáculo foi interrompido nos primeiros momentos, antes mesmo de se iniciar, praticamente.
EM CENA OS ROCK’S BOYS E A PARTICIPAÇÃO DO PÚBLICO
Passava das 21 horas e nenhuma notícia de Bill Haley. Os patrocinadores da noitada se mostraram preocupados com o atraso e não não tinham a menor noção do que fazer para distrair o público. Foi ai que tiveram a ideia de fazer subir ao palco alguns jovens santistas que trabalhavam nos programas musicais da substação (TV Santos), assim como um grupo de moças e rapazes que vencera um concurso de dança rock’n’roll promovido em São Paulo pela Rádio Record, e que também estava no ginásio à espera dos seus ídolos.
Eles entraram no palco em meio de inusitada ovação e, assim, tudo parecia estar solucionado. Mas como não dizer que a juventude é rebelde? Num dos intervalos, quando se aproveitou a ocasião para a retirada do cenário da peça que não foi representada, vários jovens espectadores encontraram mais um pretexto para suas expansões. Tendo repudiado o teatro, anteriormente, passaram a gritar justamente o contrário. Unanimemente, partia das arquibancadas os gritos: “Nós queremos teatro, nós teremos teatro!”
Naquela noite, obviamente, estavam presentes estavam alguns elementos pertencentes ao comissariado de menores e um limitado número de policiais. No auge do inofensivo tumulto, a segurança precisou conter um pouco os ânimos dos mais entusiasmados. Algum espectador mais exaltado era apenas convidado a mudar de lugar e quando a mocidade decidiu pular e dançar, o serviço de ordem passou a espectador. Apesar de tudo, a espera decorreu na maior ordem, embora muitas cadeiras fossem pisadas, alguns tombos se verificaram e muita gente fosse empurrada com prazer.
O INÍCIO DO ESPETÁCULO
Era quase uma hora da manhã de sábado. As acrobacias do rock continuavam no palco, acompanhadas pelo coro da plateia, quando de súbito todas as luzes se extinguiram. Fósforos, velas e faroletes, encontrados não se sabe como, e até tochas acesas de papel jornal, improvisavam-se num pandemônio entusiasta sobre o ritmo cantado do “Parabéns a você…”
Na sequência, gritos e euforia. Os reis mundiais do Rock’n roll entravam em cena. Foi um verdadeiro delírio. O ginásio social do alviverde estremeceu em todos os seus alicerces. Bill Haley e seus cometas executaram cerca de 18 números, entre os quais “Rdy’s Rock”, “See you Aligator”, “Choo Choo Ch’boogie”. Mas nenhuma música superou “Rock Around the Clock” em vibração. Todos no ginásio dançavam. Pouquíssimos espectadores se retiraram diante do turbilhão festivo. Bill Haley manifestou o seu contentamento diante do entusiasmo popular e cumprimentou o clube santista pelo êxito invulgar do espetáculo proporcionado ao público, que festejou o ritmo jovem até quase duas horas da manhã.
EM 1975, UMA SEGUNDA VEZ
Quase 20 anos depois, Bill Haley voltaria a Santos, com um show no Caiçara Music Hall, no mês de outubro. O grupo e o rock já não eram o mesmo. Ainda assim, o saudosismo tomou conta do público santista presente. Deste registro, uma imagem do jornalista Zeca Silvares.
