O maior Centro de Diversões da América do Sul era santista

Interessante cartão de propaganda do Miramar, da coleção do cartofilista Laire Giraud.
Interessante cartão de propaganda do Miramar, da coleção do cartofilista Laire Giraud.

Era 12 de janeiro de 1896. A cidade de Santos, então vivendo dias, ou melhor, anos difíceis, por conta das séries intermináveis de epidemias de todas as espécies (febre amarela, impaludismo, disenteria, febre tifóide, peste bubônica, varíola, entre outras doenças insidiosas), implorava por atividades e espaços de lazer, em especial em locais bem afastados do centro, onde ficava realmente a maior parte da população e do comércio.

Atentos à estas demandas e desejos, os donos da Companhia Viação Paulista, uma das maiores empresas da cidade, concessionária do serviço de transporte público santista (bondes a tração animal), resolveram investir numa atração que batizaram como “Recreio Miramar”, instalada no espaço ocupado atualmente pelos edifícios São Domingos, Jangada e Caiçara, na Avenida Conselheiro Nébias com a praia. De uma só tacada, os empresários ganhavam na exploração do espaço de lazer, com ingressos dos santistas e turistas, assim como nas passagens de bonde aos interessados em visitar e se utilizar do local.
Concluída as obras, foi inaugurado, com pompa e circunstância, naquele 12 de janeiro de 1896, o “Recreio Miramar”, onde passaram a acontecer bailes agitassímos, apresentações musicais de bandas da cidade e de fora, assim como atividades recreativas, como patinação e jogos de salão.

Foi dentro do Miramar que ocorreu a primeira exibição de um filme na cidade de Santos, em junho de 1897 (um ano após a inauguração). Durante algumas semanas, os santistas ficaram maravilhados com o milagre da “sétima arte”, com a exibição de uma película da firma Fernando & Queiroz.

A coisa deu tão certo, que o Miramar, já no ano seguinte, passou a ser a maior referência da cidade em termos de lazer e, principalmente, bailes de Carnaval. Eram famosas e concorridas as suas “Batalhas de Confetti”, que começavam já no dia 1º de janeiro e terminavam apenas na terça-feira gorda (terça de Carnaval, antes da quarta-feira de cinzas). Frequentavam o local as moças e rapazes das melhores famílias da orla praiana.

O Miramar fervilhava, atraindo multidões, que lotavam todos os seus espaços, inclusive os belos jardins. Havia, além dos bailes e matinés, animados concertos musicais, conduzidos por bandas como a da Sociedade Humanitária, da Colonial Portuguesa, do Inst. D. Escolástica Rosa, assim como concursos de fantasia. Até corso automobilístico o Miramar organizou em suas dependências!

O Miramar era um lugar chiquérrimo. Personalidades paulistanas desciam a Serra do Mar para ficarem em seus espaços. Com o tempo, já nas mãos de Domingos Fernandes, que comprou o empreendimento dos antigos donos, foi agregado ao local um hotel luxuoso, um restaurante que ficava aberto dia e noite, um cinema, um espaço aberto para música e teatro ao ar livre, um rinque de patinação e um concorrido cassino. O Miramar deixou o nome “Recreio” e passou a ser conhecido como “Hotel e Cassino Miramar”, ou popularmente “O Palácio Dourado do Boqueirão”. Em suas varandas, circulavam os maiores nomes da alta sociedade. Enquanto os executivos bebiam whisky, as damas, clube soda.

Já na década de 1920, o Miramar era reconhecido pelos paulistas como o Maior Centro de Diversões da América do Sul.

O Miramar também ajudou na criação, em Santos, da primeira estação de rádio da cidade, a Rádio Clube de Santos, chegando a abrigar seu primeiro estúdio e antenas de transmissão, nos anos 1920.

As coisas estavam tranquilas, normais, até que um dia aconteceu a quebra da Bolsa de Nova Iorque, em 1929, junto coma queda abrupta do preço do café. O Brasil mergulhou em crise e houve uma queda abrupta no movimento do luxuoso clube. Com o passar dos anos, o Miramar tentou, em vão, se manter no mesmo padrão de qualidade de atendimento. A situação ficava cada vez mais difícil, face às despesas enormes que gerava, diante de uma receita em queda.

A especulação imobiliária, que se iniciava com força na região da orla da praia, motivou os donos do Miramar a trocar suas prioridades. Assim, em 1939, o último baile, promovido pelo Santos Futebol Clube, se deu em seus salões majestosos. No salão do antigo cassino, um imenso lustre, em rotação, espalhava pelo ambiente miríades de estrelas cadentes, como que dando adeus a uma era de glória e muito brilho.

No ano seguinte, em 1940, se daria o fim do grande Palácio Dourado do Boqueirão, tão poderoso outrora que era motivo da vinda de turistas para a cidade, mesmo diante do mau tempo. O slogan do Miramar era claro: “Vá ao Miramar, indo a Santos, ainda mesmo que chova”. E muita gente ia!

 

Chamada publicitária publicada na Revista Brazil Ilustrado, em maio de 1920.
Chamada publicitária publicada na Revista Brazil Ilustrado, em maio de 1920.
Artigo sobre o Recreio Miramar publicado na Revista Brazil Ilustrado, de maio de 1920.
Artigo sobre o Recreio Miramar publicado na Revista Brazil Ilustrado, de maio de 1920.

 

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