A super avenida santista, que nunca saiu do papel

A proposta da superavenida santista era se tornar o endereço dos três poderes da cidade: O Executivo e o Legislativo no prédio do Paço, no final da via e o Judiciário, em um edifício que abrigaria o Fórum da Comarca. Além disso, a avenida estaria recheada de casas comerciais e prédios de escritórios .

Na segunda metade da década de 30, a Prefeitura de Santos promoveu um concurso público com o objetivo de escolher um projeto para a construção do novo Paço Municipal, que deveria ser erguido no terreno defronte à Praça Mauá. Dentre as várias propostas apresentadas, ganhou a do engenheiro Plínio Botelho do Amaral, que acabou executada entre 1937 e 1939. Se concretizava alí um sonho antigo, que por duas vezes já havia sido adiado (veja matéria sobre os projetos do Paço). Porém, dentre as propostas “derrotadas” neste concurso dos anos 30, uma acabou chamando a atenção dos jurados pela sua ousadia e dimensão. É provável que tamanha audácia tenha assustado as autoridades da época, que acabram optando pelo seu arquivamento. A proposta em si é de autoria do engenheiro Paulo César Martins, que contou com a colaboração do arquiteto Hernani do Val Penteado. O projeto não só previa uma mudança na localização do Paço Municipal, como mudaria de maneira impactante toda a estrutura do centro santista.

A ideia de Paulo Martins era criar uma imensa avenida “eixo do centro comercial”, da largura da avenida Ana Costa (37 metros), entre as ruas Constituição e Braz Cubas, começando numa praça entre as ruas Rangel Pestana e Campos Salles, indo até o cais do Porto, onde estaria localizado um imponente Paço Municipal, de acordo com a anotação inicial que os autores do projeto fizeram em uma das plantas. Martins planejava instalar nesta superavenida os três poderes municipais. A avenida seria bem arborizada e servida de linhas constantes de bondes elétricos, que circulariam junto ao canteiro central.

No mapa do projeto, Paulo Martins tinha proposto a construção do Paço Municipal no fim da avenida. Com a derrota no concurso, o engenheiro tentou vender sua ideia à Câmara Municipal do mesmo jeito, sugerindo a utilização do imenso prédio como Teatro Municipal ou Biblioteca Pública.

1936 – A SUPER AVENIDA SANTISTA

A construção da superavenida custaria aos cofres públicos quase nove mil contos de réis,  conforme  estimativa feita em orçamentos feitos pelos autores do projeto. Só em custos de desapropriação de imóveis na área abrangida, a conta seria de 7.486 contos. O asfaltamento custaria 930 contos, enquanto que o calçamento das laterais e canteiro central ficariam em 389 contos. Juntando com o custo das pedras utilizadas no meio fio e o sistema de drenagem – cerca de 164 contos, a conta se completava.

Não estava computado no orçamento o custo da construção dos edifícios propostos e a despesa com as demolições dos imóveis desapropriados. Neste caso, os autores acreditavam que no último caso, o aproveitamento do material de demolição compensaria os custos.

DERROTA MUDA PROPOSTA

Derrotado no processo de seleção do concurso para a escolha do projeto para o novo Paço Municipal, o engenheiro Paulo César Martins não se deu por vencido e resolveu promover uma modificação conceitual na sua proposta, para mantê-la viva, com chances de ser realizada.

Martins fez um novo memorial e, nele, sugeriu a ocupação da edificação traçada, originalmente, para ser a sede da municipalidade, pelo Teatro Municipal, por uma Biblioteca Pública ou até mesmo pelo Fórum, deixando de lado a localização inicial proposta na primeira vez. Em sua explanação, detalhada, Martins revela que seu projeto teve como inspiração a famosa “Calle de Mayo” (hoje Avenida de Mayo), logradouro de Buenos Aires onde se localiza o poder republicano da Argentina. Veja a seguir, alguns trechos do memorial apresentado à Câmara Municipal em abril de 1937, já adaptado, após a eliminação do concurso:

Apresentação inicial

“Levado pela mais espontânea afeição que, desde a infância, me tem ligado ao rápido crescimento desta cidade, e diante das múltiplas iniciativas das últimas administrações municipais, no sentido de dotarem a cidade de notáveis melhoramentos e edifícios públicos, de acordo com a sua importância, o problema urbano despertou-me a atenção para a necessidade da remodelação do centro da cidade, de modo a torná-lo à altura deste grande porto brasileiro.”

Mapa com apontamentos dos pontos principais. Note o prédio que abrigaria a Prefeitura.

Críticas ao estado da cidade

Ao simples exame da cidade, constata-se facilmente que, embora seus bairros possam ser vantajosamente cotejados com os das mais belas capitais e cidades balneárias, sua zona central permanece atrofiada pela compressão que o Monte Serrat e São Bento exercem sobre a orla do cais do porto. Daí o fatal congestionamento do seu desenvolvimento de importação e exportação que o terminal ferroviário, localizado nesta faixa, agrava progressivamente, com prejuízo da vida portuária e fabril.

A cidade se ressente, assim, de um centro comercial convenientemente localizado e adequado à importância e movimento que possui, como principal porto da República e segundo da América do Sul, apresentando nessa promiscuidade nociva à regularização da vida urbana, armazéns de café e atacadistas, oficinas e garagens a se infiltrarem pelo centro comercial, na disputa do espaço reduzido que confina com a estação ferroviária e o cais, e onde se acha localizado também o centro urbano.

Essa promiscuidade prejudicial, incômoda e antieconômica, caracteriza-se pela mistura de edifícios modernos, de escritórios profissionais e finas lojas de varejo, com desgraciosos armazéns e oficinas, pelo confronto do trânsito pesado de caminhões e carroças, com os auto-ônibus e bondes dos bairros elegantes.

Fim da Casa do Trem Bélico

Sairá, no cais do Porto, do local onde se encontra a antiga “Casa do Trem” (hoje Tiro Onze), local esse escolhido, não só por se tratar de uma tradição grata ao coração dos santistas, como por oferecer uma plano em conjunto com a Cia.Docas de Santos, que terá seus modernos armazéns de Passageiros e Turismo em frente à nova Alfândega, de acordo com seu projeto de retificação do cais, remodelando-o igualmente, afim de se adaptar aos grandes transatlânticos.

Adaptação

Ter-se-ia, assim, à porta da cidade, a sua principal praça e a grande e elegante avenida comercial, dando uma justa impressão do valor da cidade ao turista ou forasteiro que aqui aportasse. No início da avenida, junto ao cais, foi projetada uma grande praça monumental, tendo ao fundo local destinado à construção de um edifício público, como o Theatro Municipal ou o Fórum, por exemplo. O edifício ali situado ficará em grande relevo, por se achar no extremo da grande avenida e no eixo da Praça da República, onde já se encontram o monumental edifício da Alfândega e o da Recebedoria de Rendas do Estado. Essa situação permitirá belas perspectivas do edifício que completará o cenário da grande praça ajardinada, com esplanada para música, à margem de um pequeno lago em cascata, com jogos de repuxos luminosos a cores.

Detalhe artístico da avenida, corte lateral.

Cópia argentina

Quanto à execução deste projeto, os quarteirões entre as ruas Braz Cubas e Constituição, pelas grandes dimensões que possuem, permitiram traçar, à semelhança do que foi feito com a Calle de Mayo, em Buenos Aires, a avenida com 37 metros de largura como já ficou dito, obtendo-se ainda, quarteirões de 70 metros, com lotes para a avenida, de mais de 35 metros de fundo, o que está de acordo com o padrão moderno de loteamento dos centros urbanos. A largura de 37 metros dada à avenida obedeceu às prescrições das avenidas centrais de primeira classe.

Terá dois passeios laterais e seis metros de largura cada um, um abrigo central de três metros e duas vias carroçáveis de 11 metros que permitem um trânsito desembaraçado de quatro veículos de cada lado.

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