No começo do século 18, Santos teve a oportunidade de possuir uma fortaleza daquelas robustas, enormes, típicas das grandes cidades costeiras da Europa. Entretanto, a falta de dinheiro (sempre ele!!!) atrapalhou os nossos sonhos, e o que nos sobrou foi apenas poder curtir mais esta curiosa história santista, sobre o incrível projeto do engenheiro militar de nacionalidade francesa, Jean Massé (João Massé), que, à época, estava à serviço do Reino de Portugal justamente para dar um “tapa” no sistema defensivo das principais cidades litorâneas do Brasil Colônia.
Esta história começa, porém, quase cem anos antes, no final do século 16, quando a Coroa Portuguesa se surpreendeu diante da notícia de um ataque bem sucedido, em 1591, dos piratas de Thomas Cavendish à Vila de Santos. A perturbação se deu por conta da falha imperdoável do sistema defensivo da entrada do Canal da Barra Grande, formado pelas fortalezas da Barra Grande (a que ainda existe) e da Estacada (que ficava no lugar que hoje se encontra o Museu de Pesca). Ambas guarnições não perceberam a passagem da frota inimiga por “debaixo das próprias barbas”, possibilitando aos ferozes ingleses chegar, sem nenhum problema, diante da indefesa vila santista, onde promoveram, ao desembarcarem, um saque de proporções catastróficas.
Diante da falha defensiva, alguns anos mais tarde, o governador geral do Brasil, Francisco de Souza, com o aval do então soberano D.Felipe III de Espanha (ou D.Felipe II de Portugal – herdeiro da dinastia Filipina), mandou iniciar a construção, a partir de 1599, de uma estrutura fortificada dentro da própria Vila de Santos, num projeto elaborado pelo arquiteto militar florentino, Baccio da Filicaia.
A fortificação, batizado mais tarde sob a invocação de Nossa Senhora do Monte Serrat, estava postada atrás do Colégio dos Jesuítas, na borda do lagamar do Enguaguaçu (região da atual Alfândega de Santos, na Praça da República). No entanto, ao contrário do que pretendia parecer, o pequeno forte apresentava um poder de fogo precário e jamais conseguiu, de fato, executar um exercício de tiro cruzado com a Bateria de Vera Cruz de Itapema (importante explicar que quase todas as fortalezas da América eram construídas de par em par, de frente uma para outra, para justamente executar o fogo cruzado contra os navios inimigos. O forte da Vila de Santos, em tese, deveria ter como seu par de fogo cruzado, a Fortaleza de Itapema. Mas as balas das suas baterias de canhões nunca alcançaram uma distância adequada para a eficiência do fogo cruzado)
O Forte da Vila, assim como todas as outras estruturas defensivas da região, também sofreu com a escassez de recursos para sua manutenção. Assim, era bastante comum verificar o estado lamentável dos equipamentos ao longo do tempo.
Um pequeno socorro, porém, veio em 1654, já na vigência da pura dinastia real portuguesa, retomada pela Casa de Bragança. Dom Jerónimo de Ataíde, 6° Conde de Atouguia, tornado governador geral do Brasil, enviou 300 cruzados para a execução de obras de reforma no forte da Vila de Santos. Mas, sabedor do resultado de obras anteriores promovidas em outras fortificações da região, realizadas “nas coxas”, ele fez questão de encaminhar, junto com o dinheiro, um recado ameaçador ao então capitão-mor de São Vicente. Ou as novas obras resolviam definitivamente a questão de infraestrutura do forte da Vila de Santos, ou “cabeças iam rolar.”
Repaginando as fortalezas e a calamidade dos soldados
Apesar de se tornarem mais eficientes na defesa das vilas de Santos e São Vicente, as fortificações da região iam, ano a ano, vivendo situações de verdadeira penúria. Na segunda metade do século 17 e nos primeiros anos do século 18, as edificações militares praticamente estavam desmoronando, junto com a moral dos soldados, por atraso no pagamento do insignificante soldo. A maior parte do contingente era formada por homens descalços e esfarrapados, sem contar que muitos estavam inválidos e outros com idade avançada. E se a grana já era curta, a situação ainda piorava se fosse considerar que o fardamento era por conta do próprio soldado, que tinha a obrigação de pagá-lo à Capitania. A situação ficou tão absurda que, em 1725, o capitão-geral Rodrigo César de Menezes, descendo a Santos, ao passar em revista às tropas, fez questão de cobrar, dos pobres soldados, pelos 12 anos de fardas que os mesmos deviam à Capitania.
Mesmo diante desta situação humilhante, aqueles primeiros anos do século 18 prometiam uma novidade, algo que daria a Santos o brilho merecido e desejado por tantos anos. Em 1714, o engenheiro militar francês Jean Massé (ou João Massé), à serviço do rei João V, da dinastia de Bragança, apresentou uma série de projetos ousados para a melhoraria da qualidade das fortificações no Rio de Janeiro, Bahia e Santos. Seu foco era tornar essas praças mais robustas militarmente, para que não fossem, novamente, alvos de ataque de corsários, em especial dos patrícios de Jean, os franceses, a exemplo dos que ocorreram em 1710, quando Jean-François Duclerc, de surpresa, atacou o Rio de Janeiro e Santos; ou René Duguay-Trouin, que no ano seguinte voltou a investir sobre os cariocas.
Massé, além de projetar a Fortaleza de Nossa Senhora da Conceição, no Rio de Janeiro, onde passou a maior parte do seu tempo no Brasil, promoveu uma série de estudos para fortalecer o sistema defensivo de Santos, cuja grande estrela era a reedificação do Forte da Vila que, na concepção do francês, seria algo grandioso, ao melhor estilo vaubaniano.
Mas a coisa não rolou, o que foi uma pena. Tivesse dado certo o projeto do Brigadeiro Jean Massé, qualquer tentativa de invadir e atacar a Vila de Santos, mesmo passando pela primeira linha defensiva (Fortalezas da Barra Grande e Estacada), seria frustrada pela potência do novo forte, de aspecto pra lá de “vitaminado”. Construída no estilo “vaubaniano” (Sébastien Le Preste de Vauban, 1633-1707, uma das maiores figuras na arte da fortificação e expugnação das praças), a ideia era aproveitar o Outeiro de Santa Catarina (cuja capela seria mantida no patamar mais alto da construção) para sustentar suas “camadas”. O lugar seria dotado de várias baterias de canhões e até um fosso interno, abrigado na primeira elevação, cuja função seria impedir a ocupação, por parte do inimigo, da parte mais alta da fortificação, no caso de o forte ser invadido. Se tivesse este projeto viabilizado, provavelmente ainda estaria de pé nos dias de hoje, sendo uma atração inigualável, como uma das fortalezas mais expressivas do Brasil.