Revista Commercial inaugura a imprensa santista

Fac-símile da edição nº1 da Revista Commercial, de 2 de setembro de 1849

Periódico, criado em setembro de 1849, é considerado um dos dez mais antigos do Brasil

Santos, domingo, 2 de setembro de 1849. Eram quase oito horas da manhã, quando alguns moradores da Rua do Rosário (atual João Pessoa) saíram de suas casas para apurar a origem de um estranho ruído proveniente de uma oficina instalada havia poucas semanas, naquela via, pelo médico alemão Guilherme Délius. Curiosos para entender o porquê de um homem da medicina fazer tanto barulho, alguns dos bisbilhoteiros mais ousados tentavam espiar pelas frestas do portão de madeira do sobrado para descobrir o que acontecia, quando, de repente, foram tomados de surpresa com a abertura repentina da porta. Estampando um enorme sorriso no rosto, o dono da casa trazia em suas mãos alguns pedaços de papeis, folhas que ainda exalavam o forte cheiro da tinta utilizada na sua impressão. Depois de cumprimentar os vizinhos curiosos, Délius distribuiu entre eles o inusitado informativo, intitulado “Revista Commercial”, que havia acabado de sair do barulhento prelo instalado em sua oficina. Estava ali materializado, então, o primeiro jornal da cidade.

Atenta à dinâmica da imprensa na capital bandeirante, cujos periódicos já circulavam desde 1827, com o surgimento do Pharol Paulistano, a população santista ansiava dispor de um veículo de imprensa que registrasse e difundisse as notícias do cotidiano local, suas atividades comerciais, bem como os reclames da sociedade, estampados na forma de anúncios e notas. Tal reivindicação não era descabida, uma vez que a cidade de Santos crescia a olhos vistos em função do movimento paulatino do seu velho e acanhado porto formado de trapiches, consequência do afluxo gradual de tropas de mulas vindas do interior carregadas com diversos produtos para exportação, entre eles o que transformaria a vida do país: o café.

A “Revista Commercial”, enfim, materializava este desejo. Entretanto, o primeiro jornal santista nascia acanhado, exibindo apenas duas páginas (uma folha, frente e verso). Ainda assim representou um marco na história santista. Délius, imigrante germânico (nascido em Hamburgo em 1802) naturalizado brasileiro, foi muito astuto ao perceber tal lacuna na vida daquela cidade que começava a pulsar negócios em larga escala. É provável que tenha constatado a necessidade em função do crescente volume de traduções de documentos de importação e exportação que produzia para a Alfândega de Santos (Além de médico e professor do Colégio Alemão, Guilherme Délius era tradutor juramentado da instituição).

Edição de 1859.

Aumentando de volume e periodicidade

Alguns meses depois do lançamento, a “Revista Commercial” passou a ser produzida com quatro páginas e, a partir de abril de 1858, a circular duas vezes por semana, às terças e sextas-feiras. Três anos depois, em 1861, era distribuída às terças, quintas e sábados. Pensando em facilitar a circulação e aumentar as vendas, o alemão, imitando o que já era feito em São Paulo e no Rio de Janeiro, iniciou um sistema de assinatura, onde o interessado desembolsava 5$000 (Cinco Mil Réis) por semestre para ter seu jornal na porta de casa. Délius também comercializava espaços publicitários, que se tornaram rapidamente um estrondoso sucesso entre os santistas, embora a maior parte dos anúncios era, na verdade, composta por declarações de ordem pessoal. Havia de tudo um pouco: de pessoas que se utilizavam do espaço para despedirem-se de amigos e familiares nas ocorrências de viagens ou partidas definitivas para outras cidades, até proprietários de escravos oferecendo recompensas para quem resgatasse os fujões. Não era raro também o uso das linhas publicitárias para criticar os atos da municipalidade ou sobre a conduta de cidadãos diversos. Normalmente os anúncios eram cobrados por linha, e custavam cerca de cem réis cada uma.

Gênio inventivo, gestor malogrado

Apesar das boas ideias e do excelente know-how que o alemão trouxera de Hamburgo, a situação da “Revista Commercial” em seus primeiros anos foi complicada, por conta do alto custo do papel, pela ausência de mão de obra qualificada para a produção do material e em função da redução sistemática do público leitor (passada a novidade, a quantidade de leitores assíduos caiu vertiginosamente). Uma das razões para a perda de público pode ser creditada à ineficiência no serviço de distribuição. Via de regra, Délius tinha que se virar pessoalmente para resolver a entrega dos jornais, principalmente aos assinantes.

Enfim, o pioneiro da imprensa santista demonstrava não possuir tino algum para a administração do seu negócio e acabou na mão de banqueiros, por conta da contratação de empréstimos. Délius chegou a hipotecar sua tipografia por duas vezes antes de jogar a toalha, definitivamente, em 2 de novembro de 1865, quando vendeu sua empresa para uma das figuras influentes da cidade, Dr. Antônio Pereira dos Santos, primo de Vicente de Carvalho, que conduziu o jornal por três anos. No dia 13 de fevereiro de 1868, este também passou pra frente o periódico, vendendo-o, junto com a tipografia, aos Drs. José Antônio de Magalhães Castro Sobrinho, Ignácio Wallace da Gama Cochrane e coronel Antônio Ferreira da Silva. Neste período o jornal passou a circular doze dias durante o mês, em datas fixas.

Em 17 de abril de 1872, a “Revista e a Typographia Commercial” eram novamente negociadas, desta vez para os irmãos João Carlos e Jorge Elias Behn que, da mesma forma que os anteriores, não foram bem-sucedidos na empreitada. Desta vez, porém, o capítulo final do primeiro jornal de Santos era escrito. Em 1872, a “Revista Commercial” encerrava suas atividades.  Seu parque gráfico foi vendido ao capitão Nolasco Rodrigues Paz, da cidade de Rio Claro, que, em janeiro de 1873, passou a publicar o jornal Eco do Povo, naquela localidade do interior.

Digitalizado

São raríssimos os exemplares remanescentes do primeiro jornal santista. A maior coleção está na Hemeroteca Municipal Roldão Mendes Rosa. Neste momento ela vem sendo digitalizada pelo Instituto Histórico e Geográfico de Santos que, em breve, disponibilizará-los para consultas pela internet.

Acervo da Revista Commercial sendo digitalizado pelo Instituto Histórico e Geográfico de Santos.