Ruas santistas venciam a escuridão há 210 anos

Acendedores de lampiões que funcionavam com óleo de peixe. Este tipo de lampião é o chamado “quatro luzes”. Imagem do acervo da Fundação Biblioteca Nacional.

A então vila de Santos foi a segunda localidade brasileira a contar com o benefício da iluminação pública

Santos, janeiro de 1810. O clima era de enorme expectativa entre os escassos habitantes da vetusta vila portuária (a região não abrigava mais do que cinco mil pessoas). E não era para menos. Afinal de contas, o progresso estava, enfim, desembarcando naquela terra que buscava recuperar o esplendor que ostentara nos idos coloniais.Naquele início de século 19, os santistas já sentiam os primeiros efeitos da escalada econômica paulista, instigada pelas florescentes safras de café que chegavam ao porto para fins de exportação em numerosas lidas de tropeiros.

Como efeito colateral positivo, o desenvolvimento chegava a Santos naquele início de 1810 na forma de luz, representada pelo conforto da iluminação pública, regalia que somente os habitantes do Rio de Janeiro, então capital da colônia, haviam experimentado (implantado em 1794). 

Tal privilégio se baseava por razões fundamentalmente geográficas. Isso porque na época, a iluminação artificial ocorria pela queima de óleos: vegetais (normalmente de oliva) ou animais (peixes e baleias). No caso de Santos, onde a atividade pesqueira era intensa (assim como a caça de baleias), o produto essencial para ativar o sistema estava ao alcance das mãos, abundante e “fresquinho”, garantindo a queima e a consequente iluminação das primeiras vinte lamparinas espalhadas nas principais esquinas da vila.

Essas primeiras lâmpadas públicas eram via de regra acesas, uma a uma, no fim da tarde (por volta de 18 horas) e permaneciam “queimando” até o toque de recolher, marcado pelo som das cornetas dos soldados da Cadeia Pública (que ficava defronte à Igreja do Carmo), que acontecia por volta das 21 horas. 

A tarefa de acender e apagar as lamparinas era imposta a negros escravos cedidos à municipalidade. Nas noites de luar, contudo, as autoridades da vila suspendiam a alimentação das lamparinas, uma vez que o brilho natural da lua dispensava a necessidade de coloca-las para funcionar.

Custos divididos

Por 30 anos, o sistema permaneceu o mesmo, até que, em 1840, o serviço foi melhorado, com a troca das velhas lamparinas por lâmpadas de quatro luzes, que garantiam uma iluminação maior e mais intensa. Por outro lado, os novos equipamentos consumiam muito mais óleo de peixe, o que obrigou a Câmara Municipal a tomar uma providência legal para dividir os custos com uma parcela da população beneficiada, os mais abastados e os donos de comércio.

A tarefa de acender as lamparinas era dos negros escravos. Imagem de Debret. Acervo da Fundação Biblioteca Nacional.

Em São Paulo

Foram necessários dezenove anos para que o benefício da iluminação pública subisse a Serra do Mar e chegasse à capital bandeirante. Em 1829, São Paulo, à época contando com pouco mais de 20 mil pessoas, instalou 24 lampiões de óleo de azeite nas principais ruas da cidade. A partir dali, outros municípios paulistas também começaram a iluminar seus espaços públicos.

Em 1840, o santista e deputado José Antônio Pimenta Bueno, futuro marquês de São Vicente (1872), entendendo que a Província de São Paulo necessitava de melhoramentos no quesito iluminação pública, propôs que parte dos valores arrecadados com o imposto da Décima Urbana (uma espécie de Imposto Predial e Territorial Urbano da época) fosse destinado para a que as cidades e vilas paulistas investissem nesse segmento, o que foi acatado.

A mudança para o gás

Em 1847, a iluminação da cidade santista, assim como a da capital, eram atendidas pelo fabricante Affonso Milliet, que logo apresentaria uma proposta inovadora: a de substituir os lampiões então existentes (de óleo de azeite em São Paulo e óleo de Peixe em Santos) por lamparinas alimentadas por “gás hidrogênio líquido”, em aparelhos de quatro orifícios.

Convencidos da necessidade da mudança, os deputados provinciais paulistas aprovaram a proposta de Milliet e autorizaram que celebrasse um contrato de cinco anos com os interessados. No entanto, o empresário não priorizaria as mudanças em Santos, promovendo alterações do sistema apenas na capital. 

Somente em 7 de setembro de 1872, em pleno cinquentenário da Independência do Brasil, é que Santos finalmente pôde conhecer a última palavra em iluminação pública. As modernas lâmpadas à gás, enfim, tomariam conta das ruas da cidade.

O uso do novo tipo de combustível permitiu o prolongamento do horário de trabalho e das atividades sociais da população santista, além de garantir mais segurança aos cidadãos nas ruas. No entanto, havia um preço a pagar: as primeiras lanternas a gás cheiravam mal e emitiam demasiado fumo, sem contar que não tinham uma cor agradável e as explosões de suas instalações eram comuns. 

Esta é a primeira lâmpada a gás instalada na cidade. Imagem de cerca de 1900, quando da demolição do casario do Largo do Rosário.

 

O sistema santista de iluminação pública a gás era explorado por uma empresa concessionária controlada pelos engenheiros Tomas Cócrane e Eduardo Everet Benet. Em sociedade com João Frederico Russel, eles também encamparam, ainda na década de 1870, os serviços de captação e distribuição de água potável e, mais tarde, do transporte urbano em bondes (puxados a tração animal).

O primeiro sistema de iluminação à gás de Santos era composto por 200 lampiões distribuídos em ruas e praças, tendo cada combustor a intensidade de nove velas, que funcionavam todas as noites, mesmo nas de luar. Essa modalidade de iluminação permaneceu soberana na cidade por mais de trinta anos.

A luz elétrica

Santos demorou, em relação a outras cidades brasileiras, a implantar o sistema de iluminação por eletricidade. 

Tal delongamento ocorreu porque as autoridades reputavam que o sistema de iluminação a gás ainda era mais vantajoso, uma vez que a cidade possuia grandes reservas do produto e instalações apropriadas em pleno funcionamento. Implantar o sistema elétrico significava ter que investir pesado em usinas geradoras, o que era praticamente inviável para os santistas naqueles anos finais do século XIX. Santos estava mais focada no plano de saneamento básico e em outras demandas, como na construção e ampliação do porto.

Assim, os santistas só puderam conhecer a iluminação elétrica quando ela já estava consolidada no Brasil. De uma certa forma foi uma vantagem, já que  não tiveram que testar absolutamente nada, uma vez que a fórmula já estava pronta e sobravam engenheiros especialistas no negócio.

O galpão da City abrigou a primeira usina de geração de energia para as lâmpadas elétricas pioneiras de Santos, instaladas na Ana Costa e Conselheiro Nébias.

A primeira empresa a obter concessão para explorar o serviço de iluminação pública foi a Companhia de Ferrocarril Santista e a primeira via iluminada de Santos foi a avenida Ana Costa, no trecho que ia da Vila Mathias (nas proximidades da Avenida Rangel Pestana) até a Rua Carvalho de Mendonça. A inauguração deste sistema aconteceu em 15 de agosto de 1903. As lâmpadas foram colocadas à distância de 50 em 50 metros e clarearam bem a extensão da Ana Costa naquele trecho inaugural. No mês seguinte, era a vez da  avenida Conselheiro Nébias receber a melhoria, no trecho da Vila Nova. Assim, ao longo dos anos, a iluminação pública foi sendo substituída aos poucos, das lamparinas de gás para a lâmpada elétrica.

De lá para cá, a iluminação pública foi ganhando em qualidade, comodidade e, principalmente, tecnologia. Hoje, as luzes de led, acionadas por computador, dão o tom de brilho na cidade que há 210 anos comemorava o primeiro avanço da luz sobre as brumas da escuridão. 

A iluminação pública se desenvolveu e manteve Santos longe da escuridão até os dias de hoje. Foto de Boris Kaufmann, anos 1950, orla da Praia do Gonzaga.