Introduzidas no cenário urbano santista na década de 1870, árvore nativa do Caribe se adaptou à cidade, que soube aproveitar toda sua exuberância
Santos, 1874. Um novo hábito se desenvolvia entre os santistas na velha cidade que se transformava a olhos vistos: o de passear aos finais de semana no bucólico Parque do Itororó, onde a municipalidade mandara plantar um belíssimo conjunto de nove palmeiras imperiais trazidas da Corte (Rio de Janeiro), além de outras espécimes frondosas, todas delicadamente emolduradas por gradis de ferro bem-acabados e tesos lampiões alimentados com gás de hulha (produzido com carvão mineral). Ali, à sombra da copa das árvores, famílias inteiras se reuniam para desfrutar de tardes agradáveis, ao som das bandas da cidade, como a que era conduzida pelo maestro Luís Arlindo da Trindade ou ao da Sociedade Filarmônica União dos Artistas. Em dias de festividades, especialmente em datas religiosas, a programação musical variava ainda mais, podendo ouvir-se cavatina (uma forma de ária de ópera), valsa, quadrilha, dobrado ou tango. Isso sem falar que, nestas ocasiões, também ocorriam queima de fogos, para diversão da criançada. Tudo sob o testemunho das belas e imponentes palmeiras, que debutavam entre os santistas. As exuberantes árvores caribenhas, enfim, conquistavam a população por sua beleza e imponência, encantando a todos tanto quanto a suave melodia executada pelas bandas.
O sucesso da espécime rapidamente alastrou-se para outros recantos da cidade. Em poucos anos, já era possível encontrar palmeiras imperiais ao longo da faixa da orla portuária (na Rua Xavier da Silveira), nos jardins frontais da Santa Casa de Misericórdia (quando o prédio ficava logo atrás da antiga cadeia) e na entrada do primeiro palacete residencial da cidade, o que pertenceu à família de Pedro Aranha Rezende, inaugurado em 1889 com um belo conjunto de oito palmeiras imperiais (muitos santistas passaram a chamar o lugar de Palácio das Palmeiras).
A origem
A Palmeira Imperial (Roystonea Oleracea – Palmae – ou Oreodoxa Oleracea) é originária da região das Antilhas (encontradas nas ilhas caribenhas da América Central, que inclui Cuba, Haiti, Porto Rico, Trinidad e Tobago, entre outras; bem como na costa da Venezuela e Guianas). A espécime foi descrita pela primeira vez em 1763, pelo botânico holandês Nikolaus Von Jacquin. Anos mais tarde, ela foi aclimatada na Guiana Francesa, onde foi formado o Jardim Botânico La Gabrielle. Em 1768, os franceses enviaram mudas da Roystonea para o Oceano Índico, introduzindo-as nas Ilhas Maurício, depois de criarem naquele local o Jardim de Pamplemousse, em 1768 (este espaço ainda está em atividade, sendo considerado o Jardim Botânico mais antigo do mundo).
Em 1809, Luís Vieira da Silva, oficial da Armada Real Portuguesa e sobrevivente de um naufrágio ocorrido no Oceano Índico anos antes, presenteou com uma semente de palmeira o então Príncipe Regente D. João VI, que decidiu, então, plantá-la no recém-criado Jardim Botânico do Rio de Janeiro (fundado em 13 de junho de 1808). A partir deste exemplar, que ficou conhecido no país como a “Palma Matter”, surgiriam todas as outras palmeiras imperiais cultivadas no Brasil, inclusive as trazidas para a cidade de Santos. A “mãe” de todas as palmeiras brasileiras viveu por 163 anos, e só morreu por conta da queda de um raio que destruiu sua copa e queimou o núcleo de seu tronco, em outubro de 1972. No ano seguinte, a administração do Jardim Botânico decidiu derrubá-la, para que não corresse o risco de cair sobre os frequentadores. Hoje, cerca de um metro e meio do tronco da “Palma Matter” encontra-se em exibição no museu da instituição carioca.
Um Jardim Botânico a céu aberto
Depois do Rio de Janeiro, podemos dizer que Santos foi a cidade brasileira que melhor aproveitou a beleza das palmeiras imperiais para se embelezar. Além de terem sido as estrelas de lugares como o pátio do Colégio Cesário Bastos (1900) e do famoso Parque Indígena (fundado em 1909, na avenida Conselheiro Nébias com a orla), ambos extintos, a espécime tropical se tornou o símbolo visual daquela que é considerada a avenida mais bela da cidade, a Ana Costa, que teve seu visual totalmente transformado a partir do final da década de 1910, pelo plantio de nada menos do que 80 palmeiras imperiais (hoje são 294 que adornam a via, tida como uma das mais belas do país).
Tanta beleza foram narradas por poetas, músicos e cronistas, como Lydia Federici (que escreveu por 50 anos em A Tribuna). Em sua famosa coluna “Gente e Coisas da Cidade”, ela chegou a dizer: “Não sei qual prefeito fora o responsável pelo seu plantio, lá no início do século, mas embora desconhecendo o idealizador de tal beleza, entrego a Deus – que tudo sabe – a tarefa de premiar tal homem. O que ele fez foi coisa linda, sim senhor! Fez obra de arte. E arte viva.“
Palmeiras novas e velhas habitam a cidade
Atualmente Santos possui palmeiras imperiais em poucos cantos da cidade, de maneira estratégica (a maior parte do que se tem pelos jardins e canteiros de vias públicas é de outras variantes, como a palmeira real, a rabo de raposa, a leque e a triangular). E são exemplares que apresentam idades variadas. As da Ana Costa, por exemplo, chegaram a ser substituídas algumas vezes, como em setembro de 1962 (ocasião em que 72 delas foram replantadas no canteiro central), medida repetida em 1975 e em 1990. Assim, naquela via há exemplares entre 80 e 30 anos.
Entre as palmeiras “vovós” santistas, podemos apontar os exemplares que estão na saída do túnel “Rubens Ferreira Martins” (onde ficam as ruínas da antiga Santa Casa) e os que ainda sobrevivem na encosta do Monte Serrat, junto à Fonte do Itororó que, segundo especialistas, podem ter cerca de 140 anos. Esse cálculo de idade é feito a partir de vários aspectos, entre eles o da altura. Na fase máxima, uma palmeira imperial chega a 45 metros. Em termos de idade, elas podem durar até 200 anos.
É o que esperamos das velhas palmeiras do Itororó, as primeiras da cidade, testemunhas de tantas transformações e tempos mágicos.