A cadeira em que o Rei não se sentou

Mobília especialmente criada para a recepção do Rei D. Carlos I, a Rainha Amélia, o Príncipe Herdeiro, Luiz Felippe, e comitiva real, à cidade de Santos, que deveria ocorrer em junho de 1908. 


No Real Centro Português de Santos, mobiliário construído especialmente para a vinda do Rei D. Carlos I, em junho de 1908, não cumpriu sua missão por conta do regicídio do monarca lusitano e seu filho, o Príncipe Herdeiro, D. Luiz Filippe, quatro meses antes.

Lisboa, 1 de fevereiro de 1908. Os ânimos políticos estavam exaltados em Portugal. Desde as eleições de 1906, vencidas pelo Partido Regenerador Liberal, chefiado por João Franco, e do acordo deste com o Rei D. Carlos I para que fosse fechado o Parlamento objetivando que o país fosse governado sob a égide de um regime ditatorial (implementada pelos liberais com o pretexto de moralizar a vida pública), havia muita gente decidida a derrubar a monarquia lusitana. Três dias antes, em 28 de janeiro, noventa e três “republicanos conspiradores” foram presos durante o episódio que ficou conhecido como o “Golpe do Elevador da Biblioteca” (alguns líderes republicanos foram detidos com armas nas mãos no dito elevador quando tentavam chegar à Câmara Municipal de Lisboa). A notícia sobre as prisões e o clima de animosidade na capital fizeram com que o Rei D. Carlos, que se encontrava no Alentejo passando a costumeira temporada de caça de Inverno, decidisse retornar a Lisboa antes do tempo. Era preciso, enfim, “colocar ordem na casa”.

O atentado contra a vida do Rei D. Carlos e de seu filho, o Príncipe Luiz Filippe. Regicídio mudaria para sempre a história de Portugal.

Partindo de trem da Vila Viçosa, logo pela manhã do dia 1 de fevereiro, a comitiva real só chegou a Barreiro no final da tarde, onde tomou uma embarcação até Lisboa, chegando no Cais do Terreiro do Paço uma hora depois, com o dia ainda claro. Apesar do clima tenso pelas ruas lisboetas, D. Carlos optou em tomar uma carruagem aberta envergando seu uniforme de “generalíssimo”. Nela também subiram seu filho, o príncipe herdeiro Luíz Felipe e a Rainha Consorte D. Amélia de Orleães. Foi uma péssima decisão. Havia pouca gente no Terreiro do Paço. Quando a carruagem circulava junto ao lado ocidental da praça ouviu-se um tiro que desencadeou um tiroteio. Um homem de barbas (um professor primário de 32 anos, Manuel Buíça), esperou passar a carruagem para dirigir-se ao meio da rua, onde levou à cara uma carabina que tinha escondida sob a sua capa. O assassino pôs-se de joelhos no chão e fez pontaria, acertando com um tiro que atravessou o pescoço do Rei, matando-o imediatamente. Logo a seguir, começou a fuzilaria. Outros atiradores, em diversos pontos da praça, atiraram sobre a carruagem, que fica crivada de balas. No meio da chuva de balas, o Príncipe Luíz Felipe foi também atingido, mas conseguiu revidar matando um dos agressores. Porém, acabou morto também por Buíça, com um tiro na face esquerda. Milagrosamente a Rainha não se feriu, e foi retirada do local rapidamente pelos poucos soldados colocados à disposição para acompanhar a comitiva.

O tiroteio atraiu todos os policiais da região, que imobilizaram os “regicidas”, e os abateram no local. Tal atitude acabou prejudicando as investigações sobre o atentado. A Europa ficou em choque com o acontecido, mas os ecos desta tragédia política ultrapassaram as fronteiras terrestres e marítimas.

Comunidade lusitana santista chocada e frustrada

A notícia caiu como uma bomba na cidade portuária de Santos, distante 4,5 mil milhas marítimas (8,3 mil km) da capital portuguesa. Além do choque provocado pelo fato impactante, havia um grande sentimento de pesar em razão da planejada visita do Rei D. Carlos I e sua família ao Brasil, prevista para junho daquele mesmo ano de 1908. Várias homenagens estavam sendo preparadas no país para a recepção o monarca lusitano, na capital (Rio de Janeiro), em Petrópolis, em São Paulo e em Santos, tida como uma das maiores colônias de portugueses no Brasil. O Rei D. Carlos era reconhecido como “presidente honorário” do Real Centro Português de Santos. Em 21 de janeiro de 1896, ele havia concedido à instituição o direito de usar a palavra “Real”, antecedendo sua designação.

A Cadeira do Rei

Uma das providências que a colônia portuguesa de Santos havia tomado foi mandar confeccionar um mobiliário especial para a visita do Rei D. Carlos I, da Rainha Amélia e do Príncipe Herdeiro, D. Luiz Filippe. O conjunto é composto por uma mesa balcão e três cadeiras, sendo uma delas maior do que as outras duas, e serviriam como uma espécie de tronos reais para a ocasião. Confeccionados a partir de madeiras nobres (araribá-do-norte), as cadeiras apresentam um incremento de couro no encosto, onde estão gravados em revelo o escudo de Portugal. Entalhados com detalhes delicados, os móveis apresentam ainda os símbolos da Coroa Lusitana e a esfera armilar (instrumento de astronomia aplicado em navegação, comumente utilizado na heráldica portuguesa). Os móveis já estavam prontos e haviam sido entregues ao Real Centro Português no início de 1908. Mas nunca cumpriram a missão para qual foram construídos. Enfim, se tornaram as cadeiras em que o Rei não se sentou.

Desdobramentos do fato culminaram no fim da monarquia em Portugal

Com a morte de D. Carlos e de Luiz Filippe, o trono foi ocupado pelo segundo filho do monarca lusitano, que se tornou o Rei Manuel II aos 18 anos de idade. No entanto, a conjuntura política portuguesa já encaminhava para o fim da monarquia e o jovem soberano seria deposto, tendo ido buscar exílio na Inglaterra, junto com a família.

Cadeira “Santista” do Rei já ficou exposta em Portugal

Em 1994, a famosa cadeira do Real Centro Português de Santos viajou para Portugal, onde ficou exposta ao público durante as comemorações relativas aos 500 anos dos descobrimentos lusitanos.

Rei D. Carlos I
Principe Herdeiro, Luiz Filippe.
A cadeira feita sob encomenda para o Rei D. Carlos I chegou a ficar exposta em Portugal durante as comemorações alusivas aos 500 anos dos Descobrimentos Portugueses, em 1994.
Encosto e assento trabalhados em couro.
Detalhe do encosto da cadeira.