Ela existiu por pouco menos de 30 anos, embelezou o Centro e abrigou um poste monumento belíssimo, que desapareceu da paisagem santista nos anos 1950.
Santos, início da década de 1930. A sede do poder municipal estava acomodada desde 1895 em um dos blocos do velho casarão do Largo Marques de Monte Alegre, no Valongo, edificação de propriedade do falecido comendador Manoel Joaquim Ferreira Neto, construída entre 1867 e 1872. Situado estrategicamente defronte à estação de trem administrada pela São Paulo Railway e de um dos trechos mais importantes da Companhia Docas, o Paço ficava, enfim, em um ponto extremamente agitado, palco de trânsito intenso e constante de empresários, comerciantes, políticos e trabalhadores. A balbúrdia diária provocada naquele pedaço de Santos tornava bastante dura a tarefa de trabalhar de forma tranquila na condução administrativa da cidade.
Há muito a administração municipal desejava transferir-se para um local mais calmo, silencioso, e que fosse próprio (afinal, tanto Câmara quanto Prefeitura pagavam aluguel aos herdeiros do comendador). Em 1903, um projeto para erguer a nova sede da municipalidade foi apresentado. A proposta era ocupar o antigo terreno do Arsenal da Marinha, defronte ao Conjunto do Carmo. Porém, a coisa não deu certo. Quatro anos depois, a administração decidiu desapropriar uma quadra inteira numa das margens da Praça Mauá, então considerada um verdadeiro oásis na urbe movimentada que se desenvolvia a olhos vistos e testemunhava sua paisagem se transformar radicalmente.
A história do espaço hoje ocupado pela Praça Mauá remonta ao período do Brasil Colonial, quando ali existiu a Igreja da Misericórdia, junto à Rua do Campo (General Câmara). Com a extinção daquele templo, ainda no início do século 19, e a construção de um chafariz abastecido pelas águas do Rio Itororó, o lugar passou a ser conhecido como o Largo do Chafariz ou da Coroação, nome dado em referência ao ato que empossou, em 1841, o jovem imperador D. Pedro II, que esteve em Santos ao lado da esposa, a Imperatriz Tereza Cristina, em fevereiro de 1846 cumprindo uma série de compromissos, entre eles o de batizar, justamente, o tal chafariz (que, dizem, jorrou vinho do Porto no ato de inauguração). A denominação se tornou oficial, no entanto, somente em 28 de dezembro de 1865, em sessão da Câmara presidida por Antônio Ferreira da Silva Júnior, o Visconde do Embaré.
Em 6 de outubro de 1887, por iniciativa do vereador Guilherme José Alves Souto, a Câmara Municipal resolveu mudar o nome do espaço que, de Largo da Coroação, passou a ser chamado de Praça Visconde de Mauá, numa homenagem a Irineu Evangelista de Sousa, um respeitado empresário do período imperial tido como o responsável pelo início da construção da estrada de ferro que ligou o porto de Santos às fazendas do interior e à capital bandeirante.
A primeira “estampa” da Praça Mauá era bem mais modesta do que a que se tornaria na virada do século dezenove para o vinte, quando o espaço recebeu diversas melhorias, além de vasta arborização (com plantio iniciado em 1897). Em função disso, ela se tornaria o segundo jardim público da cidade, depois da Praça dos Andradas (1882). Em 1900, o local ostentava chafarizes modernos, iluminados inclusive, áreas ajardinadas, um coreto e um entorno repleto de belos casarões, casas comerciais e hotéis luxuosos, como o Rotisserie Sportsman.
Em 1907, a Intendência (órgão equivalente à Prefeitura), após desapropriar uma quadra inteira às margens da praça, promoveu a demolição de vários imóveis, abrindo uma “clareira” na velha cidade. A princípio a ideia era erguer naquele local a nova sede do município. Porém, por conta da falta de recursos financeiros, o sonho foi engavetado.
Mas, o que fazer com o terreno surgido pelo resultados das picaretas dos operários da municipalidade? A primeira saída foi pela criação de um horto municipal. No entanto, a ideia foi logo abandonada em razão do lugar situar-se numa área adensada e inapropriada para o plantio de algumas espécies importantes. Então, de maneira paliativa, decidiu-se criar um novo espaço público, uma segunda Praça Mauá.
A irmã menor da Praça Mauá
Esta espécie de irmã menor da praça original ganhou, em 30 de novembro de 1924 a companhia de uma belíssima edificação dos Correios. Diante de tão imponente e importante edificação, a Prefeitura resolveu caprichar na estética da pequena praça Mauá, dotando-a de alamedas, bancos, um projeto de jardinagem e um inusitado poste de iluminação, de ferro batido e alegorias de bronze numa base de granito (três cavalos montados por crianças) e no topo (três jovens moças sustentando nas mãos os globos de luz) . Esta peça de arte ficava bem no centro do lugar.
A segunda Praça Mauá, apesar de tão bela quando sua parte mais antiga, contudo, estava com os dias contados. Em 1927, novo projeto para um Paço Municipal próprio foi apresentado, contando com a área. Porém, mais uma vez, a Prefeitura esbarrou na escassez de recursos. Era preciso mais de quatro mil contos de Réis (cerca de R$ 100 milhões nos dias atuais) para garantir a obra. O resultado foi o engavetamento, mais uma vez, da ideia. A “pequena Mauá” ganhava mais tempo de vida.
Quase dez anos depois, a situação não teve mais sustentação. Obtendo um empréstimo junto ao Bank of London & South America Ltd, no valor de 2,26 milhões de libras esterlinas, a Prefeitura conseguia finalmente tirar do papel seu sonho e construiu o Palácio José Bonifácio, sede da municipalidade, inaugurado solenemente em 26 de janeiro de 1939. A segunda Praça Mauá, assim, desaparecia da vida santista.
O destino do poste: um mistério
Com o fim do espaço, o poste artístico foi removido e transportado para a região da orla, instalado defronte à Basílica Menor do Embaré (Igreja do Embaré), onde permaneceu provavelmente até o início dos anos 1950. Não há na literatura histórica de Santos dados que indiquem o destino desta peça de arte, que desapareceu “magicamente” da vida santense. E este articulista, chafurdador das histórias da terra de Braz Cubas e dos Andradas, ainda não achou tais pistas, mas não pretende desistir de procurar o elemento que mais enriqueceu de beleza a nossa bela e extinta “Pequena Mauá”.