Era 30 de outubro de 1880, um sábado. Os membros da recém-formada Sociedade Humanitária dos Empregados do Comércio (fundada em 1879), formada por jovens caixeiros que exerciam suas funções na cidade santista, se reuniam para mais uma reunião a fim de debater ideias que pudessem trazer benefícios aos seus pares. Foi então que o associado José Francisco de Paula Martins sugeriu a criação de uma biblioteca que pudesse suprir as necessidades de leitura daqueles jovens sedentos de cultura e conhecimento.
No início, o projeto encontrou alguns obstáculos materiais e conceituais, em razão da dificuldade financeira da jovem sociedade, assim como pela incompreensão de alguns de seus membros que não avaliavam o alcance cultural oferecido pelos livros, devolvendo-os, muitas vezes, estragados ou mutilados, tornando-os praticamente inúteis. Com o passar do tempo e em função de várias campanhas de esclarecimentos, os embaraços foram sendo eliminados e a biblioteca começou a crescer em tamanho e poder cultural, tornando-se em curto espaço de tempo na maior e mais importante da cidade. Só para se ter uma ideia, já em 1887, ela já reunia mais de 550 obras (para a época era uma enormidade!). Seis anos depois, em 1893, o volume já havia saltado para mais de 2.200 volumes e, em 1901, contava com 4.787 obras. A sala de leitura da Sociedade Humanitária era altamente frequentada, não só por conta dos livros, mas também por manter em sua coleção os principais jornais e revistas em circulação, na faixa de 41 títulos diferentes.
O espaço se tornou o xodó da Humanitária, assim como um local de encontro da própria cidade. Chegou a funcionar em vários locais, antes de se abrigar em definitivo do maravilhoso palacete da Praça José Bonifácio, a partir de 1931, e onde se encontra até hoje.
Seu maior entusiasta foi o médico e poeta Martins Fontes, que chegou a doar centenas de livros de sua família para enriquecer o acervo da biblioteca. Fontes era figura carimbada nas salas de leitura local e fazia questão de tratar muito bem dos livros que tanto amava.
Hoje, passados 134 anos de sua criação, a Biblioteca da Sociedade Humanitária ainda pode ser considerado um tesouro santista, rico em cultura e curiosidades, que merecem ser conhecidas por cada um dos santistas. Seu acervo, de 40 mil exemplars, inclui livros que datam do século XVII, jornais e revistas dos séculos XIX e XX. Sua principal obra é “Testament Politique”, de 1688, escrita pelo duque Armand Jean du Plessis, o cardeal Richelieu, primeiro-ministro de Luís XIII. Outra preciosidade é “Henriade”, conjunto de poemas de Voltaire (1694-1778) dedicado a Henrique IV. Há também raridades nacionais como um exemplar da primeira edição de “Memórias para a História da Capitania de São Vicente, Hoje Chamada de São Paulo, do Estado do Brazil”, escrita em português arcaico por Frei Gaspar da Madre de Deus.