Casas de Banho – Para refrescar e ficar limpinho

Estabelecimentos do gênero chegaram após introdução da água encanada em Santos, iniciando, ainda que lentamente, um processo de transformação dos hábitos de higiene da população

José Caballero (ao lado do cão), foi dono do segundo estabelecimento de banhos da cidade, onde ganhou muito dinheiro.

 

Santos, segunda-feira, 11 de dezembro de 1882. O calor na cidade estava infernal, “nas alturas”, como diziam alguns. O povo “suava em bicas”. As sombras das árvores eram disputadas com fervor naquele início de semana. Os que não se acostumavam com o tempo quente e úmido, naturalmente santista, praguejavam ainda mais. O desejo de se refrescar era, assim, senso comum entre moradores e visitantes. O maior alento do dia ainda se centrava no contentamento de ter participado, no domingo, da inauguração dos novos jardins da Praça dos Andradas, que enchiam os olhos de todos, diante da sua exuberante beleza e do fato de fornecer sombra e frescor de forma abundante.

Por entre os “pobres diabos” que perambulavam pelas vias poeirentas de Santos, estava o jovem Francisco, recém desembarcado, de mala e cuia, na estação do Valongo. Percorrendo as cercanias do velho Largo Marques de Monte Alegre, o forasteiro estava em busca de um hotel barato ou uma pousada que lhe valesse uns dias de trabalho bem-sucedido na agitada cidade portuária. Caixeiro andarilho, comerciava pequenas panelas de ferro e peças de cobre sob encomenda, oferecendo seus produtos aos proprietários dos poucos estabelecimentos situados nas ruas Santo Antônio, Direita, Antonina e Largo da Matriz.

Ao contrário de muitos homens de sua época, Francisco procurava manter hábitos diferentes, saudáveis. Entre eles, o de ficar sempre que podia, asseado, limpo. Assim, quando atravessou a rua Antonina, postou-se diante do casarão número 7. Ali sentiu que precisava usufruir dos serviços oferecidos. Em letras garrafais pintadas por sobre duas das quatro portas em arco do sobrado, estava escrito: “Casa de Banhos”. O caixeiro sorriu, aliviado. Enfim, era a primeira coisa na cidade santista que o fez se animar.

Anúncio de Casa de Banho

Ao chegar junto ao balcão do estabelecimento, misto de bar e hotel, foi recepcionado por um senhor bonachão, que carregava forte sotaque galego. Era José Caballero, natural de Vigo, Espanha, solteirão convicto e um dos mais ardorosos contribuintes da Irmandade da Santa Casa de Misericórdia. Seu estabelecimento de “banhos” foi o segundo da cidade, inaugurado em 23 de maio de 1876, cinco anos após a chegada da água encanada a Santos.

O hábito de tomar banho

Ao longo da história da humanidade, tomar banho já foi considerado sagrado, profano, artigo de luxo, receita de saúde e causador de doenças e mortes. Em algumas culturas também serviu como ritual de purificação religiosa. Segundo a pesquisadora da PUC São Paulo, Viviane Bigio, especialista no tema, o banho como o conhecemos hoje surgiu por volta dos anos 1930, mas assim mesmo não tão frequente, sendo tomado aos sábados, dia em que se trocava a roupa de baixo das crianças.

As Casas de Banho de Santos

Antes da chegada da água encanada, em 1871, tomar banho em Santos era tarefa árdua. A maior parte das pessoas se limpava de forma esporádica e precariamente. Os mais abastados até tinham banheiras, abastecidas por serviçais esforçados. Mas o precioso líquido tinha de ser buscado nos chafarizes, bicas ou nas nascentes situadas nas encostas dos morros, principalmente o da Fonte do Itororó.

Anúncio da Casa de Banho de José Caballero

Em 1872, diante da maravilha dos encanamentos, os santistas testemunharam a chegada de um tipo de serviço que fazia sucesso nos grandes centros da Europa, principalmente nas cidades que se viam “esmagadas” entre suas fontes naturais de água: era o oferecido pelas chamadas Casas de Banho.

A primeira do gênero, em Santos, foi aberta na Praça dos Andradas, nº 25. Era conhecida como “Ao Cisne Santista”, propriedade de J.J. Marty que, entre outros produtos e serviços, introduziu o consumo de sorvete na cidade (dupla refrescância!). Algum tempo depois, nas mãos de um novo proprietário, Valentim João Pereira & Cia, a Cisne Santista passou a ofertar jogos de bilhar. A casa ficava aberta das 9 horas da manhã às 21 horas, todos os dias, regularmente, oferecendo banhos quentes, frios ou tépidos (morno) ao singelo preço de 1$000 (mil réis, equivalente hoje a R$ 50,00). Para os mais asseados e assíduos fregueses, havia a possibilidade da aquisição de cartões (tickets) em lotes com desconto. Se o cliente comprasse antecipadamente 20 cartões (ou 20 banhos), pagaria 15$000 (quinze mil réis, equivalente a R$ 750 – uma economia de R$ 250!). Se comprasse 10 cartões, 8$000 ou 6 cartões, 5$000.

Anúncio da primeira casa de banhos da cidade.

Banho de Chuva

Em 23 de maio de 1876, foi a vez de José Caballero entrar na história, com sua casa diferenciada. Além dos banhos imersivos (banheira), ele oferecia aos clientes o que chamavam de “banho de chuva”, que nada mais era do que um banho com chuveiro. Inicialmente apenas disponível na versão água fria, com o tempo ganhou uma variante de água morna, extraída de um reservatório que ficava nos fundos do terreno, em cima de uma espécie de fogão de lenha. Caballero fez sucesso com a “ducha”, pois possibilitava banhos, em tese, mais rápidos e refrescantes.

O Cisne Santista e a Casa de Banhos de José Caballero reinaram únicas por alguns anos na cidade, até que, em 1903, surgiu uma variante de estabelecimento que mesclava o banho com relaxamento e embelezamento, em loja situada na Praça Mauá, 21. Era algo bem diferente do esquema de sorvetes, bebidas e bilhar oferecidas pelas concorrentes mais velhas.

As Casas de Banho foram muito úteis aos santistas até a popularização das ligações individuais de água encanada e o advento dos chuveiros residenciais, o que aconteceu a partir da década de 1920. Alívio para os narizes mais sensíveis, que já não suportavam tanta catinga, ou murrinha, originária dos cidadãos pouco afeitos ao banho diário, o que não era o caso do caixeiro Francisco.