Força Naval dos Estados Unidos “invade” o porto de Santos

Santistas, observam, da Ponta da Praia, a “invasão” norte-americana ao porto.

Santos, sábado, 27 de junho de 1953. Eram sete horas da manhã quando o primeiro vaso de guerra foi avistado na boca da Baía. Depois surgiram outros, todos “armados até os dentes”. A população santista olhava atônita a cena da “invasão” norte-americana. Cruzadores, destroyers, barcos auxiliares e um imenso porta-aviões (14 embarcações ao total) não tomaram conhecimento da rotina do porto e avançaram na direção do estuário. O grupo de unidades da 6ª Divisão da Força Naval dos Estados Unidos da América, no entanto, fazia uma visita de cordialidade ao Brasil e parava em Santos para uma breve pausa em seus exercícios no Atlântico Sul. Centenas de pessoas correram à Ponta da Praia para assistir o maravilhoso e inusitado espetáculo. À frente do grupo vinha o navio capitânia, o cruzador “Maicon”, que trazia a bordo o comandante da esquadra, o vice-almirante Richard F. Stout.

Na entrada do estuário, um time de rebocadores correu no auxílio das embarcações de guerra. À passagem de cada uma das imponentes belonaves da nação amiga, o povo santista aplaudia e fazia barulho. O mais festejado foi, sem dúvida, o porta-aviões “Saipan”, que trazia dezenas de caças da Marinha norte-americana. Na faixa do cais, quando atracava, os santistas ficaram impressionados com as medidas do gigante navio. Era a primeira vez que um barco daquele tipo encostava na singela amurada do porto de Santos. Além do “Saipan”, os cruzadores “Maicon” e “Albany”, também impressionavam por conta de suas medidas.

Enfileirados ao longo dos armazéns dezessete a vinte e três, a esquadra ianque causava admiração, não só pela elegância, como por seu extraordinário poder de fogo. Percebia-se também a disciplina de sua tripulação, assim como a ordem e o asseio reinante a bordo das embarcações. Os navios, todos de cor verde-cinza, reluziam de tão limpos.

Nada menos do que 14 navios “armados até os dentes” atracaram no Porto de Santos. Esquadra ianque ficou na cidade por oito dias.

Recepção às autoridades e imprensa

Tão logo se acomodaram no costado santista, o “Maicon” e o “Saipan” desceram suas escadas para receber a visita das autoridades e imprensa. Todos estavam curiosos para conhecer de perto aquelas maravilhas tecnológicas do mar. O prefeito de Santos, Antônio Feliciano e seu secretário, Mariano Laet Gomes, estiveram no local acompanhados do capitão dos portos do Estado de São Paulo, Bertini Dutra da Silva, sendo cordialmente recebidos pelo vice-almirante Stout.

Logo depois, a imprensa foi liberada para conhecer os dois navios, começando pelo “Maicon”, onde aconteceu uma entrevista coletiva com o comandante da esquadra, servindo como intérprete o capitão de fragata Hélio Leôncio Martins, feito oficial de ligação com os norte americanos, por determinação do ministro da Marinha Brasileira, Renato Guillobel.

O vice-almirante Richard F. Stout, ao lado do capitão de fragata brasileiro, Hélio Leôncio Martins, que lhe serviu de intérprete, na coletiva de imprensa.

O motivo da visita

A 6ª Divisão da Força Naval dos Estados Unidos estava em operação de manobras no Atlântico Sul, das quais também participavam a Força Naval e Aérea do Brasil. Participavam elementos da marinha ativa e de reserva do país norte-americano. A esquadra que aportou em Santos não tocaria nenhum outro ponto do litoral brasileiro após a visita, indo diretamente para as Antilhas, no Caribe. Durante o período de instrução, que aliás é rotineiro para a marinha dos Estados Unidos, os navios ainda visitariam o Panamá, Barbados, Colômbia e Curaçao. Na sequência, dirigir-se-iam para Cuba, em cujas águas territoriais realizariam exercícios de guerra (interessante salientar que em 26 de julho de 1953, ou seja, praticamente um mês depois, estouraria a Revolução Cubana, lideradas por Fidel Castro e Che Guevara – os EUA apoiavam o então presidente-ditador Fulgêncio Batista – o evento só terminaria em 1º de janeiro de 1959, com a vitória de Castro e seus aliados).  

Xícaras de café

Durante a entrevista dada aos jornalistas, o comandante Stout contou que a bebida preferida à bordo das embarcações norte-americanas era o café brasileiro e que sentia orgulho de saber que atracara seus navios justamente naquele porto tão famoso por sua história de exportação do famoso grão. Confidenciou aos visitantes que só no “Maicon”, o consumo era de um milhão de xícaras por ano.

Outra informação dada na entrevista dizia respeito à tripulação daquela esquadra, formada basicamente por alunos do último ano da Academia Naval de Anápolis, por elementos da ativa e alguns poucos           reservistas, que foram chamados para atuar novamente na Marinha de Guerra. Havia também uma parte de jovens que cursavam o último ano das escolas secundárias, os quais formavam uma espécie de aspirantes a oficiais.

A maior parte da tripulação era formada por alunos da Academia Naval de Anápolis, aspirantes a oficiais.

Compromissos na cidade

Ainda antes da hora do almoço, Stout, acompanhado de seu Estado-Maior, desceu à terra e visitou alguns pontos da cidade, começando pelo Paço Municipal, retribuindo a visita do prefeito, Antônio Feliciano. Foi também ao Fórum, onde foi recepcionado pelo diretor, dr. Ademar de Figueiredo Lira e demais juízes da Comarca. A seguir, visitou a Capitania dos Portos e encerrou a série de compromisso no Comando da Guarnição Militar de Santos, São Vicente e Guarujá, recebidos pelo coronel Valdemar Pio dos Santos, comandante da Praça e seus oficiais.

A cidade santista nunca esteve tão bem policiada quanto neste dia. Além da guarnição da Força Pública de São Paulo, as ruas de Santos estavam apinhadas de marinheiros da Polícia Especial da Força Naval norte-americana.

Visitando a estrela da esquadra, o Saipan

Enquanto o comandante, seu alto staff e alguns marinheiros passeavam a cidade, jornalistas e outros convidados se encantavam durante a visita aos vasos de guerra ianques. O primeiro a ser aberto foi o porta-aviões “Saipan”, a grande estrela da esquadra. Além de percorrer as dependências do poderoso navio, os visitantes tiveram a oportunidade de assistir a algumas demonstrações de condução dos aviões no convés de voo, amplo salão localizado no andar inferior, onde se achavam as oficinas. Ao todo, a embarcação abrigava vinte aeronaves, incluindo-se modernos aparelhos dotados de radar para caça a submarinos e um helicóptero, usado para serviços de salvamento e socorro.

O porta-aviões “Saipan” era a grande estrela da frota ianque.

O “Saipan” foi projetado como um modelo leve e rápido, destinado a levar um pequeno número de aviões para interceptação em combate aéreo, apoio à infantaria e ataque a submarinos. O nome foi inspirado na ilha onde ocorrera uma das maiores batalhas da Segunda Guerra Mundial, no Arquipélago das Marianas. Foi construído no arsenal da Companhia de Construção de Navios de Nova York, em Candon, Nova Jersey. Batizou-se a quilha em 10 de julho de 1944 e foi lançado ao mar em 8 de julho de 1945. Foi colocado em serviço em 14 de julho de 1946. A embarcação possuía cerca de 200 metros de comprimento e 19.320 toneladas. O convés superior, onde os aviões pousavam, apresentavam 617 pés de comprimento (188 metros) e 16 de largura (4,87 metros). Os geradores elétricos forneciam 4 mil quilowatts, o suficiente para iluminar uma cidade com 10 mil habitantes. O aparelho de destilação fornecia 80 mil galões de água doce diariamente, para o consumo das máquinas, higiene e outras necessidades. Havia acomodação para 2 mil oficiais e marinheiros. Até aquele ano de 1953, o “Saipan” já tinha percorrido cerca de 209 mil milhas e seus aviões fizeram cerca de 33 mil pousos. Aquela embarcação havia sido a primeira dos Estados Unidos a exercitar uma esquadrilha completa de jatos (FH1- Fantasma), fato ocorrido em maio de 1948.

Além do “Saipan”, compunham a esquadra que “invadiu” o porto de Santos, os cruzadores “Maicon” e “Albany”; o navio-tanque “Chipola”; os destroyers “C.G.Roan”, “Bener”, “Delonge”, “J.D.Blackwood”, “Coraes”, “Parle” e “Tweedy”; os lança-minas “Shannon” e “H.F.Bauer” e o transporte ligeiro “Kleinsmith”.

As visitas a bordo eram autorizadas apenas pelos cônsules dos Estados Unidos, em Santos e São Paulo. Do lado contrário, havia muitos marinheiros solicitando autorização para visitar parentes e amigos que viviam em São Paulo. Até um boletim foi distribuído na imprensa para facilitar a localização destas pessoas. Alguns dos casos eram:

O 2º tenente Vito J. Maida, oficial que fazia parte da nau capitania, cruzador “Maicon” é sobrinho do sr. Vicente Maida. O pai do tenente Maida, sr. Bruno Maida, que agora reside na cidade de Chelsea, no Estado do Massachussets, não vê seu irmão Vicente desde que ambos deixaram a Itália, há cerca de 40 anos. O endereço do escritório comercial do sr. Vicente Maida é na Rua Santa Rita, 235 – São Paulo – Anilinas Produtos Químicos.

O 1º tenente Eugene P. Schwartz, da cidade de Cincinati, Estado de Ohio, deseja aproveitar a oportunidade para visitar os seus tios, sr. e sra. Joseph R. Schwartz, na Avenida Presidente Wilson, 3.544, em São Paulo. O sr. Schwartz trabalha na Companhia de Máquinas Hobart Dayton of Brazil.

Ao todo, a embarcação abrigava vinte aeronaves, incluindo-se modernos aparelhos dotados de radar para caça a submarinos e um helicóptero, usado para serviços de salvamento e socorro.

Estada de oito dias

A esquadra norte-americana ficou atracada no Porto de Santos por oito dias, período aproveitado pelos oficiais para o cumprimento de uma agenda diplomática, que envolveu idas à capital paulista. A cidade santista dividiu seu cotidiano, na sua última semana de junho, com centenas de marujos norte-americanos, que caminhavam pelas ruas da orla e centro. Neste tempo foram organizadas várias homenagens e festas para os visitantes, como uma recepção do prefeito de São Vicente, com direito a soirée dançante no Clube de Regatas Tumiarú; e um baile promovido pela Marinha de Guerra Nacional, no Parque Balneário, contando com a participação da colônia norte americana de São Paulo.

Fotos: Justo Peres/acervo Fams