Na terra do padre voador, balonista carioca vence os céus diante de um povo em êxtase

Pose pra foto: Alaor, o engenheiro da City e um assistente posam, ao lado de dezenas de pessoas, para a imagem que marcaria a história da cidade. Clique para ver foto com maiores detalhes.
Pose pra foto: Alaor, o engenheiro da City e um assistente posam, ao lado de dezenas de pessoas, para a imagem que marcaria a história da cidade. Clique para ver foto com maiores detalhes.

Domingo, 11 de março de 1906, 15 horas. Centenas de pessoas se acotovelavam, aglomeradas, no entorno do terreno pertencente ao Moinho Santista (situado na confluência da Conselheiro Nébias com a Xavier da Silveira) para testemunhar, com os próprios olhos, uma proeza que só conheciam através dos jornais ou pelas histórias que ouviam na escola sobre o feito heroico protagonizado por um santista, o padre Bartolomeu de Gusmão, que em 1709 havia colocado à prova o maior de seus inventos, a passarola, o primeiro objeto desenvolvido pelo homem a voar. O aparelho, também conhecido como aeróstato, nada mais era do que um balão de ar quente, cujos “descendentes” vinham ocupando as manchetes dos jornais europeus a partir de meados do Século XIX, cada vez mais ousados e resistentes. Dezenas de aventureiros se arriscaram ao sonho de Ícaro e Gusmão, encantando multidões com suas façanhas aéreas. Um desses intrépidos era o brasileiro Alberto Santos Dumont, que a partir de 1898 entrou no rol dos aspirantes a pássaros humanos.

Enquanto as epopeias aéreas tinham como palco a Europa e suas cidades cosmopolitas, como Paris, aos brasileiros só restava a contentação das notícias impressas. Até que o próprio Dumont, em 1899, abriu as portas da América do Sul para as aventuras em balões, com exibições iniciais no Rio de Janeiro, depois em Minas e finalmente São Paulo.

A terra do criador do balão, Santos, no entanto, ficou de fora da festa, até 1906, quando um destemido aeronauta carioca, Alaor Pereira de Queirós, resolveu macular os céus da cidade berço do padre voador. E isso aconteceu naquela tarde de 11 de março.

Alaor já tinha encantado os paulistanos com suas peripécias, no mês de janeiro. Agora era hora de assombrar os santistas, que estavam muito curiosos para ver de perto o sonho de um velho conterrâneo se materializar naquele azul do céu da cidade portuária.    A ideia inicial era um voo duplo, com Alaor pilotando o balão “Cruzeiro do Sul” e o capitão Magalhães Costa, que conduziria o balão “Portugal”. ­­ Ocorre que o segundo aventureiro, de origem lusitana, adoentara na última hora e deixara Alaor sozinho.

O brasileiro não se fez de rogado e foi dar seu show para os santistas. O povo aguardava com imensa expectativa a largada do balão, que já estava cheio por volta das 15 horas. Alaor convidou o engenheiro eletricista da Companhia City, William Devor, para voar consigo. Antes da largada, os assistentes do aventureiro soltaram um pequeno balão para que fosse possível verificar a direção do vento, que naquele momento soprava Norte-Nordeste.

Uma pequena garoa começou a precipitar, parecendo querer estragar a festa, mas Alaor soltou o comando da largada assim mesmo. Após um primeiro tranco, que arrancou a cesta tripulada do chão, o balão começou a elevar-se, animando a assistência e o povão. A banda convidada, a Colonial Portuguesa, começou, então, a tocar os acordes do Hino Nacional Brasileiro. O balão ganhou rapidamente os céus, para o delírio da população santista que assistia a tudo.

Gritos de urra eram ouvidos das ruas e praças próximas. Dezenas de jovens e crianças corriam para tentar acompanhar o Cruzeiro do Sul, que rumava na direção de Bertioga, a uma altura aproximada de 800 metros do chão. Várias embarcações que circulavam pelo cais do porto nas imediações acompanhavam o trajeto do aeróstato, em alerta para acudir os aventureiros em caso de necessidade.

Eram 15h40 quando Alaor decidiu abrir as válvulas de escape de ar do Cruzeiro do Sul, que desceu lentamente até quase tocar a linha das águas escuras do lagamar. O piloto, então, lançou um cabo até uma lancha da Alfândega de Santos, que rebocou o estranho veículo para próximo à amurada do cais. O povo, que assistia atentamente a tudo de longe, explodiu em felicidade quando da chegada do carioca, acompanhado do engenheiro Devor, ao cais posterior da Alfândega.

Aclamados como heróis do ar, ambos foram seguidos pelas ruas da cidade até Hotel Rotisserie Sportman, da Rua XV de Novembro, onde grande festa fora promovida. Alaor fora saudado pela acadêmico Joaquim Domingos Pereira Filho, e ainda recebera das mãos do povo santista uma medalha em reconhecimento ao feito histórico, ser o primeiro homem a cruzar os céus da terra onde o sonho de voar foi materializado.

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