O comendador Alfaya e a estátua de Braz Cubas

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Cena da inauguração do monumento dedicado ao fundador da Vila de Santos, Braz Cubas, em postal da época. Coleção Zeca Silvares.

Perseverança de santista se materializa na homenagem ao fundador de Santos, há 110 anos

Domingo, 26 de janeiro de 1908, 14 horas. Centenas de pessoas se concentravam no tradicional Largo da Matriz, àquela altura já rebatizado como Praça da República, visto que a velha igreja barroca do século XVIII sumia a olhos vistos, demolida para dar lugar ao mais amplo projeto urbanístico realizado naquele começo de século. Santos, de fato, transformava-se, patrocinado pela riqueza originária das atividades do porto, em especial das que movimentavam o pujante comércio cafeeiro. O aspecto da vila colonial, assim, desaparecia aos poucos e ganhava ares de urbe moderna, elegante, digna de rivalizar com algumas das mais importantes cidades americanas e europeias.

No projeto paisagístico elaborado para mudar a cara da cidade, a “cereja do bolo”, sem dúvida alguma, era o monumento dedicado ao fundador de Santos, o fidalgo lusitano Braz Cubas, exatamente o centro de interesse da enorme massa de santistas que se dirigiu às imediações da velha alfândega naquela tarde de domingo.

E ali, em meio ao povo e às autoridades locais e da capital paulista, uma figura em especial tinha todos os motivos do mundo para se emocionar, orgulhoso por ver materializado o fruto de tanta luta e desprendimento.

Família Alfaya (o comendador é o que está sentado à esquerda).
Família Alfaya (o comendador é o que está sentado à esquerda). Clique para ver maior.

O comendador Alfaya Rodrigues

Homenagear o fundador de Santos era um desejo antigo de João Manoel Alfaya Rodrigues, figura de enorme prestígio na cidade, ocupante de importantes cargos, como delegado de polícia (1873/1874/1877), juiz municipal (1875/1876/1880), inspetor da Instrução (1878/1879) e encarregado da imigração em Santos (1887 – nomeado pela Princesa Isabel, de quem era amigo pessoal).

Alfaya era chamado respeitosamente de “comendador”, por ter sido condecorado pelo governo imperial com a venera de Cavaleiro da Imperial Ordem da Rosa, louvado em ofício de seu trabalho durante a terrível epidemia de varíola que assolou a cidade em 1874. Naquela ocasião, o governo provincial o encarregou de oferecer assistência e socorro à população. Alfaya também era um ativo vereador, sendo o vice-presidente da Câmara na legislatura de 1887, ano em que apresentou a proposta de erigir na cidade o seu primeiro monumento, dedicado a Braz Cubas.

Imposto desviado

Para viabilizar a obra, o comendador apresentou um projeto de Lei com o objetivo de angariar os recursos necessários para o empreendimento. Foi chamada de “Lei do Quilo”, e incindia sobre todos os produtos que entrassem no Brasil via Porto de Santos. Aprovada pela Assembleia Legislativa do Estado, foi cobrado até 1894, já no período Republicano, atingindo a marca de 600 contos de réis arrecadados. Porém, como registrou o historiador Waldir Rueda, em seu livro “Braz Cubas, Homenagem a Uma Vida”, as administrações municipais que se sucederam “não deram correto destino para a verba arrecadada e desviaram, criminosamente, o dinheiro para outros fins.

A descoberta do rosto de Braz Cubas  

Mesmo diante do revés, Alfaya Rodrigues não desistiu e, em 1901, reapresentou a ideia à Irmandade da Santa Casa de Misericórdia, instituição fundada justamente por Braz Cubas (em 1543). Depois de tê-la aprovada, viajou a Portugal, partindo de Santos em 10 de junho de 1904 com a missão de levantar informações sobre o fundador da vila santista. Após recorrer a pesquisadores e historiadores lusitanos, Alfaya soube da existência de um retrato de Braz Cubas nas dependências da Santa Casa de Lisboa onde, de fato, o encontrou. O santista, então, contratou o renomado retratista e pintor português Roque Gameiro, encomendando-lhe uma aquarela, de corpo inteiro, do famoso fidalgo dos tempos coloniais, que fora produzida tendo como referência o rosto encontrado na antiga instituição lisboeta. Entusiasmado, o comendador sentia-se como se tivesse ganhado na loteria.

Estátua de Braz Cubas nos anos 1920.
Estátua de Braz Cubas na década de 1910. Clique para ver maior.

O escultor italiano

Uma vez que já se encontrava na Europa, o velho continente berço de grandes artistas, à Alfaya foi recomendado que procurasse o respeitado escultor Lorenzo Mazza, professor da Academia Lingüística de Belas Artes de Gênova, um notório especialista em mármore. De posse da aquarela de Gameiro, o santista encomendou junto ao italiano, primeiramente um busto, que começaria a ser produzido por Mazza ao mesmo tempo em que seu contratante iniciava sua jornada de regresso a Santos, onde desembarcou em abril de 1905. Tanto o busto contratado como a aquarela só chegaram ao Brasil em junho daquele mesmo ano, sendo entregue à Santa Casa, onde acabou instalado no salão nobre da instituição.

O monumento

Empolgado com o cumprimento das missões a que se submeteu, Alfaya voltou à carga em relação à ideia inicial, de inaugurar em Santos um monumento vistoso em homenagem ao fundador. Todos haviam aprovado o belo trabalho realizado por Mazza no busto e, agora, viam com bons olhos a possibilidade de terem um “Braz Cubas” imponente no centro de uma grande praça urbana.

Orçado pelo italiano em cerca de 50 mil liras, o comendador convenceu seus conterrâneos a custearem a obra e, desta forma, um contrato entre a Câmara Municipal de Santos e o escultor acabou assinado em 10 de março de 1906. Ao contrário do modesto busto, a figura de Braz Cubas deveria medir dois metros e meio de altura, esculpida totalmente em mármore de Carrara, obedecendo à imagem desenhada na aquarela do português Roque Gameiro.

A Estátua
A Estátua de Braz Cubas na década de 1950 pelas lentes de Boris Kaufmann. Nota-se que o gradil e a coroa de bronze ainda existiam.

 

Inauguração no 4º Centenário de Braz Cubas

A obra de Mazza até poderia ter ficado pronta bem antes do pretendido. Mas a ideia era promover a inauguração durante os festejos do 69º aniversário da elevação de Santos à categoria de cidade, aproveitando ainda o fato de que, no mês anterior (dezembro de 1907) havia sido celebrado o IV Centenário de nascimento do fundador de Santos. Assim, o material chegou ao porto santista, no porão do vapor “Attivitá” no final de novembro de 1907, à espera de Mazza e seu ajudante, Giácomo Garbarino, que chegaram apenas no dia 1º de janeiro de 1908. Ambos foram eficientes e rápidos na tarefa de montagem, deixando o primeiro monumento da cidade de Santos totalmente preparado para sua inauguração, realizada com festa naquela tarde de domingo, onde, no meio da multidão, havia um homem, sorridente, tão feliz que mal podia expressar uma só palavra de agradecimento. (O comendador Alfaya Rodrigues não discursou durante os festejos daquele dia, mas foi o mais aplaudido no jubileu do grande fundador santista).

CURIOSIDADE

Vários elementos decorativos do monumento e do seu entorno desapareceram (como o gradil de ferro que circundava o conjunto, uma a guirlanda de bronze e dois dos quatro candelabros que iluminavam a estatua de Braz Cubas). Os candelabros sobreviventes foram transferidos, nos anos 1930 ou 1940, para a atual Praça das Bandeiras, no Gonzaga, onde se encontram até hoje.

 

Projeto de remodelação do Largo da Matriz previa a demolição da velha igreja.
Projeto de remodelação do Largo da Matriz previa a demolição da velha igreja.

 

 

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