Aquarela retrata a imagem do fundador de Santos. Foi a primeira obra pictórica que revelou Braz Cubas aos santistas.
Lisboa, Portugal, junho de 1904. O comendador João Manoel Alfaya Rodrigues era um homem persistente. Aos 54 anos de idade, se mostrava vívido, experiente e amplamente respeitado por todos na cidade santista, uma rara unanimidade. Juiz municipal por muitos anos, se tornou rapidamente pessoa de total confiança do Império, sendo nomeado pela Princesa Isabel como diretor oficial responsável pela imigração em Santos; e não perdera absolutamente nenhum prestígio quando da implantação do regime republicano, mantendo-se na mesma função. Sempre ocupando cargos públicos de altíssima relevância, nunca se rendeu à comodidade e buscava energia onde todos duvidavam.
No início do Século 20, Alfaya levou à Câmara a ideia de realizar uma justa homenagem ao fundador de Santos, Braz Cubas, erguendo um monumento em sua memória, que seria então o primeiro da história da cidade. O comendador havia obtido os recursos e garantira um bom artista para executar a obra, na Itália: o escultor Lorenzo Massa. Mas havia um grande desafio a ser suplantado: ninguém nunca vira o rosto do fundador de Santos. Não havia uma única alma que pudesse dizer como Braz Cubas aparentava.
Como resolver esse dilema? Alfaya pensou numa possível solução e, decidido, foi testar sua tese viajando para Lisboa, indo visitar a Santa Casa de Misericórdia da capital portuguesa, fonte de inspiração da Santa Casa de Santos, onde era um dos mais ativos irmãos. O comendador procurou nas galerias de arte da instituição lusitana, em livros e documentos e sua persistência acabou recompensada. Em uma das salas do hospital, Alfaya deparou-se com um retrato onde lia-se “Braz Cubas”. Enfim, o fundador de Santos tinha um rosto, uma identificação para ser eternizada.
Obviamente levar o retrato para o Brasil estava fora de cogitação. Então, Alfaya teve mais uma brilhante ideia. Contratou, em Lisboa, um dos mais afamados aquarelistas e ilustradores da cidade: Roque Gameiro. O artista, depois de orientado sobre sua tarefa, reproduziu o retrato de Braz Cubas numa pequena tela, onde aquarelou com tons de marrom e preto. Em apenas dois dias, a encomenda de Alfaya ficou pronta e fora entregue ao santista que, não se contendo de alegria pela descoberta, logo tomou um navio para Gênova, onde se encontrou com o escultor Lorenzo Massa, contratado para esculpir Braz Cubas, primeiramente em um busto, trabalho este que levou quase um ano para ser concluído.
O busto foi levado a Santos e a partir dele, Alfaya convenceu a Câmara a contratar Massa para desenvolver o monumento, com Braz Cubas de corpo inteiro. O contrato com o italiano foi assinado em 10 de março de 1906, ao custo de 50 mil liras. O monumento seria inaugurado festivamente no aniversário da cidade santista, em 26 de janeiro de 1908. Enfim, Santos tinha a imagem real de seu fundador eternizada em mármore, bem como na aquarela de Roque Gameiro, que acabou sendo doada por Alfaya à Santa Casa de Misericórdia.
Uma obra simbólica
Este tesouro da história de Santos até hoje repousa em uma das paredes da Santa Casa de Misericórdia, e praticamente todos desconhecem a grandiosidade da obra de Roque Gameiro. Hoje (29 de março de 2023), perambulando pela galeria de quadros da instituição, em busca de elementos visuais para uma obra literária que estou escrevendo, eis que me deparo à aquarela que, para mim, é a mais importante da nossa história, pelo que ela representa, pelo resgate que significou em 1904. A obra que fez com que os santistas pudessem conhecer, de fato, o rosto do fundador da nossa cidade, do grande e inigualável Braz Cubas.