A atracação do vapor Nasmyth em 2 de fevereiro de 1892 é considerado o “Marco Zero” da história do Porto, de maneira oficial. Porém, as operações portuárias já aconteciam na terra santista desde 1541.

História do Porto de Santos, de fato, se inicia com os primeiros embarques da produção açucareira em larga escala através do Povoado de Enguaguaçu, em 1541.

Enguaguaçu, 1541. Os animais de carga avançavam lentamente, em fila, levando nos lombos pesadas sacas de açúcar, resultado do árduo trabalho realizado nos engenhos que se espalhavam pela região. Era, enfim, o ouro branco dos trópicos, produzido pelos colonos que haviam recebido sesmarias das mãos de Martim Afonso de Sousa, o Capitão Donatário daquelas terras. Muitas outras sacas chegavam por meio de pequenas embarcações que navegavam pelos canais desde Cubatão ou seguiam pela face oeste da Ilha de São Vicente, rumo aos primeiros navios à vela encarregados de transportar o produto em larga escala para Portugal. Lá, o açúcar, tão cobiçado, seria vendido a bom preço, gerando riqueza para os produtores, para o donatário e, obviamente, para a própria Coroa Portuguesa.  

Nos engenhos que moldavam o território, a produção fervilhava. O da Madre de Deus, o mais antigo, erguido na atual área continental de Santos (Sítio das Neves) e pertencente a Pero de Góes, desde 1535 já produzia açúcar, embora ainda em modesta quantidade. Parte dessa produção chegou a ser despachada para a Europa quando o atracadouro, conhecido como Porto da Capitania, ainda ficava na entrada do Canal da Barra, na atual Ponta da Praia, defronte à Fortaleza da Barra e à Praia do Góes. Já o Engenho São João, de propriedade dos irmãos Adorno, genoveses responsáveis por trazer as primeiras mudas de cana-de-açúcar da Ilha da Madeira, teve uma produção inicial também tímida, fato que se repetia com o Engenho do Trato, a casa oficial de moagem, pertencente ao próprio Capitão Donatário, Martim Afonso, cuja produção dependia das colheitas realizadas pelos colonos espalhados pela região.  

Dessa forma, foi apenas por volta de 1540 que a safra, excepcionalmente boa, propiciou uma produção vantajosa. Aliado ao estoque acumulado, os senhores de engenho da região concluíram que o momento era oportuno para a realização de uma grande operação de embarque. Diante disso, o capitão-mor Braz Cubas decidiu transferir o Porto da Capitania da Barra para mais próximo do povoado de Enguaguaçu, facilitando o escoamento do produto gerado pelos engenhos mais importantes.  

O ponto escolhido para o novo atracadouro foi um trecho no Enguaguaçu, situado entre o atual Valongo e o Outeiro de Santa Catarina, local onde, cinco anos mais tarde, o próprio Braz Cubas elevaria o povoado à categoria de vila, batizando-o como Vila do Porto de Santos.  

Com a transferência do atracadouro oficial, em 1541, finalmente ocorria a primeira grande movimentação de carga da história do porto santista, um evento que pode ser considerado a gênese da operação portuária local e, simbolicamente, o marco do próprio nascimento do Porto de Santos.

Decadência e esquecimento 

Apesar do aparente período próspero para o futuro da Vila do Porto de Santos, os investimentos da Coroa Portuguesa na produção açucareira acabaram sendo redirecionados para o Nordeste brasileiro, levando os engenhos da Capitania de São Vicente a um lento processo de decadência. Consequentemente, o Porto de Santos perdeu relevância na movimentação de cargas, restringindo-se, em grande parte, ao embarque e desembarque de produtos de subsistência.  

Ocasionalmente, o porto voltou a ganhar alguma notoriedade, como nos embarques de ouro e outros metais em determinados anos do século 18. No entanto, fora alguns episódios pontuais, não houve qualquer avanço significativo que consolidasse o Porto de Santos como um ponto estratégico para a economia colonial brasileira.

A virada de página

A partir do século 18, um pequeno grão de cor verde começaria a moldar os rumos da economia da colônia, impulsionando uma profunda transformação no Sudeste do país e superando em muito o potencial de geração de riqueza do açúcar. Esse “ouro” vegetal, o café, chegou ao Porto de Santos por volta de 1770, ainda de forma modesta, acompanhando a expansão das lavouras no Vale do Paraíba.  

Com a independência do Brasil em 1822 e a consolidação do Império, o café tornou-se a principal aposta da economia nacional, elevando o até então discreto Porto de Santos à condição de peça-chave no comércio internacional. No entanto, havia desafios a serem superados, principalmente no transporte das sacas de café. Até 1867, o escoamento era feito por tropas de mulas, um método lento e ineficiente. Foi apenas com a inauguração da ferrovia “São Paulo Railway” que essa realidade começou a mudar.  

A chegada dos trilhos impulsionou uma das maiores transformações urbanas e estruturais da história de Santos. O porto, até então explorado de maneira desorganizada por poucos empresários os trapicheiros, não estava preparado para a crescente demanda. Era essencial modernizar os atracadouros, que ainda se resumiam a velhas pontes de madeira, frágeis diante das intempéries.  

A pressão dos cafeicultores paulistas, que chegaram a fundar a Associação Comercial de Santos em 1870, foi decisiva para que o governo imperial firmasse um contrato de concessão com a iniciativa privada, viabilizando os investimentos necessários à modernização do porto. A missão coube aos empresários Cândido Gaffrée e Eduardo Guinle, que, à frente da futura Companhia Docas de Santos, empreenderam esforços para transformar a antiga praia dos tempos coloniais em um porto moderno.  

Após cinco anos de intenso trabalho, em 2 de fevereiro de 1892, Santos conhecia seu primeiro trecho de cais de pedra. O vapor inglês “Nasmyth” foi a primeira embarcação a atracar no novo espaço, marcando o início da era do porto organizado—evento que é considerado até hoje como o marco de nascimento deste que é um dos maiores patrimônios santistas, que completa 133 anos m 2025.

Início da construção do cais de pedra, em cerca de 1889. Porto vivia na época e plena transformação.

Conceitos da Comemoração  

É justamente sobre datas e conceitos de origem que nos debruçamos neste artigo. Afinal, por que comemoramos o aniversário do Porto de Santos—neste caso, seus 133 anos—a partir da atracação do “Nasmyth”, se o porto já existia e operava embarques e desembarques muito antes disso?  

Para este memorialista, a lógica adotada para a cidade de Santos poderia ser aplicada ao porto. Em 1996, Santos deixou de comemorar seus 157 anos, baseados na elevação da vila à categoria de cidade (26 de janeiro de 1839), para celebrar seus 450 anos, tomando como referência a elevação a vila (c. 1546). O Porto de Santos poderia seguir o mesmo princípio, substituindo 1892 por 1541, ano que marcou os primeiros embarques em larga escala, ou seja, a gênese da operação portuária.  

Se assim fosse, nosso Porto de Santos completará 500 anos em 2041, e a justiça seria feita. Um ponto de vista que merece reflexão!