Batalhões Infantis protagonizaram o lado mais dramático da Revolução Constitucionalista de 1932. “Se necessário, também iremos” era o lema das tropas formadas por crianças de 5 a 12 anos de idade.
Santos, segunda-feira, 23 de agosto de 1932. A Praça Mauá, centro político da terra santista, estava literalmente ocupada por gente de todos os cantos da cidade. Os ânimos se mostravam exaltados. A Revolução Constitucionalista ganhava contornos terríveis e as notícias trazidas dos fronts de guerra eram assustadoras e revoltantes. São Paulo resistia em armas contra o desvario do presidente golpista Getúlio Vargas (Ele tomara o poder do Brasil pelas armas, na Revolução de 1930, depondo o então presidente Washington Luiz e impedindo o presidente eleito, Júlio Prestes, tomar posse). Sua tirania era repugnada na terra bandeirante e os paulistas, assim, lutavam por sua Justiça. De repente, no meio da multidão, dezenas, centenas de crianças começaram a entoar hinos patrióticos e bradar palavras de ordem que denotavam o ardor de todos pela causa constitucional: “Se necessário, também iremos!” “Se não tens coragem, fica! Nós iremos!”, gritavam vários deles, de forma provocativa, dirigindo-se aos poucos jovens adultos que optaram por não se alistarem e serem enviados para as frentes de batalha, nas fronteiras com os Estados do Rio de Janeiro, Paraná e Minas Gerais.
A cena protagonizada pelos meninos trajados de soldados, empunhando armas de brinquedo, e meninas vestidas de enfermeiras, fosse nos dias de hoje, certamente chocaria a sociedade. Entretanto, na época era algo visto como normal, resultado de uma cultura de militarização da infância iniciada nos anos finais do Século 19. As práticas de natureza cívico-militar, destacada pelo escotismo, estavam presentes nos ambientes escolares paulistas havia muito tempo. Os batalhões infantis já existiam desde 1904, quando foram regulamentados oficialmente, e funcionavam como pequenas corporações militares desde então: os alunos recebiam treinamento específico, andavam fardados, portavam apetrechos que imitavam armas etc. Tudo consoante ao espírito patriótico da época, que entendia que tais práticas escolares favoreceriam o desenvolvimento de corpos e mentes disciplinadas, além de contribuírem para a construção de cidadãos eugênicos, moralizados, nacionalistas etc.
Os batalhões infantis santistas
Durante boa parte do tempo em que o conflito se estabeleceu em São Paulo, as crianças e seus batalhões infantis eram noticiados como bom exemplo em várias cidades, exercendo um papel determinante ao estímulo de soldados e da própria população civil, que via nas manifestações dos jovens o desejo de ver triunfar as causas justas. Os santistas, assim, criaram vários batalhões, a maior parte deles ligados a unidades escolares e assistenciais, como o Batalhão Infantil do Asilo-Creche Anália Franco. Alguns dos raríssimos registros fotográficos dos batalhões infantis santistas são encontrados em um álbum temático à Revolução Constitucionalista de 1932 que foi guardado pelo jornal A Tribuna. Entre as diversas imagens da coleção, é possível identificar os Batalhões: “Gonzaga”, “Vieira de Souza – Mercado”, “São Bento”, “Marquês de Herval”, “Padre Carvalho”, “Casa do Soldado”, “Professor Torres Homem”, “Alfredo Elis” e “Padre Carnaúbas”.
Nas fotografias, é possível notar os olhares puros, desafiados ao amadurecimento, das crianças. Meninos e meninas de quatro, cinco, seis anos de idade, sem compreender o motivo para tanta revolta, apenas reproduziam o gesto dos mais velhos. Algumas das crianças vestiam-se de soldados, outros de guardas civis. As armas, simulacros, mesclavam-se entre artefatos de metal e madeira, réplicas fiéis dos fuzis utilizados no front, ou simples tocos de madeira, como uma espingarda imaginária do popular soldado “cabeça de papel”, tão famoso em cantigas da época. As meninas, por sua vez, incorporavam o papel das enfermeiras e vinham com roupas brancas estampadas com cruzes vermelhas no peito, além de lenços que cobriam os cabelos, também adornados pela famosa cruz da paz. Algumas das “tropas mirins” se apresentavam nas ruas com um “arsenal” mais robusto, levando consigo réplicas de canhões e lança granadas.
Os batalhões infantis de Santos, além de estimular o sentimento patriótico, promoviam arrecadações de donativos entre a população para o esforço de guerra, coletando metais e borracha. Do primeiro, eram produzidos munições, cantis e, principalmente, os famosos “capacetes de aço”. Da borracha, eram feitas as solas das botas utilizadas no campo de guerra. As meninas, por sua vez, colaboravam na confecção de roupas para os soldados. Enfim, as crianças exerciam um papel ativo, de retaguarda, na causa revolucionária. E, apesar dos olhares puros e confusos, os revolucionários mirins de Santos estavam prontos para defender a sua liberdade, assim como a de seus pais e outros entes queridos. “Se necessário, também iremos!”