Um Palácio com Aroma de Café

Bolsa Oficial de Café na década de 1920. Centro Mundial do preço cafeeiro.

Bolsa Oficial de Café completa 100 anos como uma joia da coroa santista

Santos, 7 de setembro de 1922. Uma chuva inclemente insistia em cair sobre os santistas naquele dia festivo, em que se comemorava os 100 anos da Independência do Brasil. Apesar do inconveniente, a cidade, tomada por milhares de pessoas, dava de ombros para as fastidiosas gotas d’água que, de certa forma, lavavam a alma paulista, em júbilo pelo centenário do nascimento da nação verde e amarela. Não havia sol. E isso não era um problema, já que o brilho nos olhos do povo santista reluzia o orgulho por celebrar os ideias de José Bonifácio de Andrada e Silva, que propiciaram o processo liberatório brasileiro. O presidente do Estado de São Paulo, o advogado e intelectual Washington Luís Pereira de Sousa, presente desde a hora do almoço na cidade, participa com afinco de alguns dos grandes atos do dia, como a inauguração da belíssima Praça da Independência, onde fora erguido um majestoso monumento em glória aos irmãos Andradas (José Bonifácio, Martim Francisco e Antônio Carlos). Terminado o primeiro compromisso, era hora de apresentar ao país um dos mais belos prédios públicos construídos no Estado de São Paulo: a Bolsa Oficial de Café, no coração da velha cidade.

Santos já era referência no universo do principal produto de exportação brasileiro: o café, também chamado de “ouro verde” nacional. A partir do final do século 18, sua produção passou a promover gigantescas transformações na Província (Estado, a partir de 1889) de São Paulo. Na segunda metade do século seguinte, o grão conquistou o globo terrestre, catapultando a economia brasileira para o alto e, consequentemente, transformando de forma arrebatadora o cenário da terra bandeirante. O porto santista foi alçado à condição privilegiada de o Porto do Café e sua Praça Comercial ganhou status de “wall street” para o principal “commodity” do hemisfério sul do planeta.

Assim, já no começo do Século 20, era latente a necessidade de fincar em Santos o organismo que ditaria as regras para o comércio da valiosa rubiácea no mundo: a Bolsa Oficial de Café.

A instituição era altamente necessária para a centralização e sistematização dos negócios, promovendo o estabelecimento de normas reguladoras para as operações comerciais, a divulgação diária de preços e a situação do mercado. Em 1914, a Assembleia Legislativa de São Paulo aprovava a lei que determinava este controle do comércio cafeeiro no Estado, dando início à criação da Bolsa, que teve seu funcionamento autorizado em 28 de abril de 1917. No início, o organismo foi instalado num salão alugado na parte térrea do prédio situado na esquina da Rua XV de Novembro com a Rua do Comércio.

Pranchas do projeto original do prédio da Bolsa do Café, da Companhia Construtora de Santos.

Um palácio para o café

Em 1919, o governo do Estado resolveu dar o passo definitivo para a construção de um edifício sede para a Bolsa Oficial de Café. O lugar escolhido não poderia ter sido mais feliz, no tradicional “Quatro Cantos”, nas esquinas da Rua XV com a Frei Gaspar, coração econômico e político da cidade. A pedra fundamental foi lançada em 27 de abril de 1920, em um evento que contou com a presença do então presidente do Estado, Altino Arantes.

Três projetos foram apresentados, mas o vencedor foi o apresentado pela Companhia Construtora de Santos, firma pertencente ao engenheiro Roberto Cochrane Simonsen.

A ideia era criar um monumento ao café, algo que representasse a essência e o apogeu do ciclo econômico que transformou o Brasil. Unindo recursos e dedicação, os idealizadores preocuparam-se com detalhes primorosos e materiais de alta qualidade: cúpulas de cobre, grandes esculturas, piso em mármore Carrara, vitrais, mosaicos de mármore, robustas colunatas de gratino e uma grande torre de relógio, com mais de 40 metros de altura.

Washington Luís, quando assumiu o controle do Estado, se empenhou bastante para que a inauguração fosse um sucesso. Mas as mudanças no projeto e aumento no custo atrasaram os trabalhos. A obra acabou sendo inaugurada mesmo em 7 de setembro de 1922, mesmo não estando totalmente concluída. Quando cortou a fita naquela tarde chuvosa em Santos, a Bolsa só tinha a oferecer uma parte do edifício, ainda que a principal, como a fachada para Rua XV e o Salão do Pregão, com as magníficas obras produzidas por Benedicto Calixto. A Bolsa só ficou pronta pra valer em 1923.

OS TESOUROS DO PALÁCIO DO CAFÉ (DIAGRAMAR COMO BOX)

Os paulistas não economizaram no requinte para a construção do Palácio do Café, produzindo verdadeiras relíquias históricas. As principais são:

Telas de Benedicto Calixto

Calixto deixou no prédio da Bolsa do Café algumas de suas mais belas heranças, senão o mais impressionante conjunto de pinturas à óleo já realizado pelo pintor. Situado no fundo da Sala de Pregões, o painel reúne três telas que revelam períodos distintos vividos por Santos. Do lado esquerdo temos o Porto de Santos em 1822; no centro, a Fundação da Vila de Santos – 1545; e no lado direito, o Porto de Santos em 1922, contemporânea ao trabalho, já mostrando a própria Bolsa do Café inserida na urbe santista.

Vitral Visão de Anhanguera

Confeccionado pela mais importante empresa de vitrais do Brasil na época, a Casa Conrado, a obra intitulada “A Epopeia dos Bandeirantes” reúne desenhos de Benedito Calixto que representam três períodos do desenvolvimento brasileiro, nominados pelo artista como:  “A Penetração e Conquista do Sertão pelos Bandeirantes”, “A Lavoura e Abundância” e “A Indústria e o Comércio”.

Esculturas

Elas estão na entrada principal e no alto da torre do relógio, compondo o que havia de principal entre os ornamentos das fachadas. Todas foram produzidas pelo escultor italiano José Sartório. Na parte que dá de frente à Rua XV de Novembro estão as figuras de Ceres (Deusa Grega da Agricultura e da Fertilidade) e Mercúrio (Deus Grego do Comércio). Já no alto da torre estão alegorias que representam a Navegação, a Agricultura, a Indústria e o Comércio.

O Palácio virou museu

A Bolsa Oficial de Café funcionou até 1986. Agregada à Secretaria da Fazenda do Estado, o prédio ficou sem um uso nobre até 1998, quando o local passou a abrigar o Museu dos Cafés do Brasil, condição ainda presente e que foi, de fato, um presente para a cidade santista, que respira o aroma de café como o mais puro dos oxigênios.

Bolsa do Café, do lado voltado ao porto de Santos, década de 1930.