Um prédio centenário

Edificação sede da Associação Comercial de Santos é a única da cidade cuja pedra fundamental foi assentada por um presidente da República, Epitácio Pessoa

Santos, meados de 1924. No alto da fachada lateral do majestoso palácio erguido na esquina das ruas XV de Novembro e Riachuelo, operários da Companhia Constructora de Santos aplicavam os retoques finais na obra monumental. Em letras romanas, eles esculpiam na platibanda (moldura ou faixa horizontal na parte superior de uma construção que tem como finalidade esconder o telhado, as calhas, a caixa d’água e outros materiais de construção) o ano de encerramento daquele delicado trabalho, executado em três anos – MCMXXIV (1924). Ao término do meticuloso ajuste na argamassa que estava voltada ao centro da cidade santista, da calçada, os homens que dirigiam os rumos da tradicional Associação Comercial de Santos (ACS), aplaudiram entusiasticamente a realização daquele sonho que vinha sendo acalentado desde 1870, ano em que um grupo de comerciantes do setor cafeeiro resolveu criar uma associação com objetivos de lutar pelo desenvolvimento da cidade de Santos e, principalmente, de seu porto comercial.

O Palácio do Comércio, enfim, ostentava a pujança que merecia, e enobrecia ainda mais um quarteirão histórico na Rua XV de Novembro, pedaço que no século 18 abrigara o sítio do nascimento e primeiros anos de vida do maior de todos os santistas, José Bonifácio de Andrada e Silva, o patriarca da Independência do Brasil. A partir daquele ponto, o prédio da Associação Comercial se tornava um ponto-chave na rua, em que na outra esquina havia sido inaugurado, um ano antes, a Bolsa Oficial do Café (ou o Palácio do Café), tornando aquele trecho da cidade o que muitos apelidaram como a “Wall Street Santista”.

Adicionalmente, o prédio da Associação Comercial, de modo pioneiro e inédito até os dias atuais, foi o único cuja pedra fundamental fora lançada pelo chefe de governo máximo da nação. A cerimônia, cercada de festa, ocorrera em 22 de agosto de 1921, quando o então presidente Epitácio Pessoa, agraciou o comércio santista com o assentamento do primeiro tijolo da obra magnificamente conduzida por uma das maiores e mais importantes empresas de construção do país, a Companhia Constructora de Santos, dirigida por Robert Cochrane Simonsen, figura extremamente influente, que se tornou até membro da Academia Brasileira de Letras e do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro.

Perseguindo sonhos

A Associação Comercial de Santos, por mais de 50 anos, buscou erguer um espaço digno que representasse a força e pujança da Praça Comercial santista, notadamente uma das mais fortes do país. Seu primeiro espaço fora doado, em 1871, pelo fundador e primeiro presidente, o comendador e visconde Nicolau José de Campos Vergueiro. Era um pequeno sobrado localizado na então Rua da Praia (atual Tuiuti). Em 1874, a ACS conseguiu arrendar um espaço maior na Rua do Consulado (atual Frei Gaspar), onde ficou por 10 anos. 

E foi um incidente, na verdade um incêndio, que acabou selando o destino da Associação Comercial com o endereço que possui até hoje. Em 30 de julho de 1883, um imenso casarão que pertencia a Jesuína Augusta de Aguiar Peixoto, situado na esquina da Rua 25 de Março (atual XV de Novembro) e Largo 11 de junho (que se tornaria Rua Riachuelo), foi parcialmente devorado pelo fogo. A proprietária, então, decidiu vender o imóvel sinistrado. Era uma boa oportunidade para os comerciantes da ACS, que adquiriram a casa e gastaram pouca coisa para reformá-la, em dez meses de obras. Assim, em setembro de 1884, a nova sede da Associação Comercial era inaugurada.

Este primeiro imóvel próprio da entidade preservou suas características coloniais por alguns anos. Isso até 1907, quando, sob a liderança do então presidente Francisco Marcos Inglês de Souza, a Associação Comercial decidiu empreender uma grande transformação estética no prédio, dotando-o de características neoclássicas que refletiam a pujante riqueza que circulava abundantemente pela Praça de Santos. Uma reformulação estrutural também se fez necessária, uma vez que as atividades da ACS haviam crescido tanto que se tornou imperativo ocupar toda a edificação, dispensando os inquilinos que até então utilizavam o piso superior.

Assim, o sobrado de seis portas voltadas para a Rua XV de Novembro (três no pavimento térreo e três no superior, com sacadas protegidas por gradis de ferro) e sete portas para a Rua Riachuelo (cinco no pavimento térreo e duas no superior, também com sacadas protegidas por gradis de ferro), foi totalmente desocupado para a reforma, a cargo da firma Nicolau Spagnuolo & Cia. Enquanto a obra prosseguia, a entidade ocupou provisoriamente um espaço modesto, gentilmente cedido pela Câmara Sindical dos Corretores. Em 22 de dezembro de 1908, no dia em que completou 38 anos de existência, a Associação Comercial de Santos finalmente regressou à sua sede, agora considerada um dos lugares mais bonitos da Rua XV de Novembro.

Desejando um Palácio

Apesar de melhorado, o prédio ainda não refletia como queriam os associados, o poder representativo da ACS. Com a pujança cada vez maior da Praça, em função do comércio de café pelo Porto de Santos, a Associação Comercial entrou na década de 1920, com o caixa reforçado. Era hora, enfim, de dar o passo maior, não só em melhorias estéticas, mas em tamanho. Ao adquirir os casarios que davam para a Rua Tuiuti, a entidade decidiu investir no desejo palaciano, empolgada com o erguimento do Palácio do Café (Bolsa). Assim, contratou a mesma empresa que executava a obra na outra esquina e partiu para concretizar o sonho, que se consolidou em 1922, ou também dizendo, em MCMXXIV.

Riqueza por dentro e por fora

O prédio da Associação Comercial de Santos é uma das joias da cidade. Com sua arquitetura eclética, a edificação se destaca por elementos belíssimos, como colunas romanas e esculturas únicas em sua fachada. Internamente, o esplendor continua: o salão de mármore na entrada, atualmente utilizado como área de exposições, impressiona pela sua grandiosidade; o auditório abriga uma das mais importantes galerias de presidentes da cidade; a sala de reuniões é adornada com móveis antigos e um quadro de Carlos Osvald; e a sala do presidente, com mobiliário do século XIX, exibe duas das maiores telas de Benedicto Calixto. Além disso, a Sala de Classificação de Café, com seu mobiliário dos anos 1920 e belos vitrais, é outro destaque. Para compartilhar essa riqueza histórica e arquitetônica, a Associação Comercial de Santos criou um roteiro de visitas e desenvolveu um material de divulgação sobre o prédio centenário.