No ano do centenário da Independência do Brasil, a cidade santista florescia em luxo, poder e vida cultural, rivalizando com qualquer metrópole europeia ou norte americana
Santos, 1º de janeiro de 1922. Apesar do céu ligeiramente encoberto por pequenas nuvens, a cidade amanheu radiante naquele novo início de ano. O clima era absolutamente de otimismo e muita expectativa entre os santistas, que viviam, talvez, um dos melhores momentos de suas vidas. A cidade transpirava trabalho, desenvolvimento, luxo e elegância. Prédios suntuosos surgiam a olhos vistos, tanto na região da orla como do velho centro, e substituíam, um a um, antigos casarões coloniais. Praticamente todos os males que prejudicaram a cidade no final do século 19, haviam sido deixados para trás. Isso se deveu muito ao projeto de saneamento liderado por Saturnino de Brito, concluído poucos anos antes, e que ofereceu à cidade uma nova perspectiva em termo de qualidade de vida.
O porto de Santos batia recordes de movimentação, e concluía sua expansão física para os lados do Macuco, numa das maiores obras de aterramento da história santense, na bacia de Outeirinhos, onde foram erguidos vinte e seis enormes armazéns. Com isso, a cidade recebia cada vez mais vapores e transatlânticos oriundos de todos os cantos do mundo, em especial da Europa, que chegavam recheados de passageiros em trânsito ou imigrantes, que aqui desembarcavam na esperança de “fazer a América”.
Vista do alto do Monte Serrat, Santos era, enfim, uma cidade que florescia, em ambos os lados do morro. Do canto da velha cidade, era possível testemunhar o surgimento de edificações como da Bolsa Oficial do Café, a sede da Associação Comercial e o novo prédio dos Correios, cujos estilos arquitetônicos valorizariam ainda mais a paisagem urbana. Do lado da orla marítima, pipocavam, ao longo da praia, inúmeros palacetes residenciais, que se moldavam à paisagem junto aos garbosos hotéis que lá já habitavam, como o Parque Balneário e o Palace, no José Menino. Isso sem falar, obviamente, do frequentadíssimo Recreio Miramar e seu vizinho verdejante, o Parque Indígena. O lado praiano era, sem dúvida, a parte “balneária” da cidade.
Sofisticados bondes escoceses, dos ingleses da Companhia City, percorriam lentamente as vias da cidade, de norte a sul, levando os santistas de casa para o trabalho ou para o lazer nas bucólicas praças e seus alegres coretos. Poder-se-ia também empreender uma interessante viagem até a vizinha São Vicente, atravessando a distante e bela praia do José Menino ou trafegando pelas matas que tomavam conta do caminho via Matadouro, onde podia se sentir um odor não muito agradável. Por outro lado, era diversão gratuita quando ocorria estouros das boiadas que se desgarravam de seus responsáveis!
Mas não eram apenas os prédios que modificavam a paisagem de Santos. Naquele ano de 1922, duas imponentes esculturas seriam apresentadas para a festa do Centenário da Independência do Brasil. Na Praça Ruy Barbosa, os santistas ergueriam um monumento dedicado ao padre santista Bartolomeu de Gusmão, o patrono da navegabilidade aérea, e no aprazível bairro praiano do Gonzaga, a obra prima, a cereja do bolo da festa santista, celebrando a imagem imortal dos irmãos Andrada (Antônio Carlos, Martim Francisco e, em destaque, José Bonifácio de Andrada e Silva, o patriarca da liberdade brasileira).
A riqueza proveniente do comércio do café era latente na vida santista, traduzida no estilo de vida de boa parte da sociedade. Pelas ruas General Câmara, do Rosário (atual João Pessoa) e adjacências, era comum a presença de lojas que comercializavam artigos finos, como a Casa Viriato, que vendia pratarias e aparelhos de jantar, chá e café; ou a Casa Parisiense, especializada em fazendas e armarinhos, assim como sua concorrente, a Casa Rio Branco. O melhor do comércio, enfim, podia ser visto nas páginas de A Tribuna ou da revista Flamma, que iniciara no ano anterior sua circulação em Santos, e logo de partida promovendo um concurso que escolheria a mulher mais linda da cidade (a vencedora participaria do primeiro concurso nacional do gênero e se sagraria com o título de Sua Majestade, a Mais Bela). Quem diria que, ao final, seria a santista Zezé Leone a grande vencedora, aqui e no Brasil?
As ruas do Centro, como a XV e a do Comércio viviam repletas de elegantes empresários do café e de outros ramos de negócios que se tratavam no porto. A língua portuguesa era apenas uma entre tantas faladas nas calçadas. Nesta época, bancos de várias nacionalidades disputavam os ricos clientes que tinham negócio na cidade santense, bem como consulados diversos, de nações europeias, além de Estados Unidos, Canadá e outros países importantes. E quando o relógio da Western, o nosso Big Ben, tocava a hora do final do expediente, muitos se dirigiam aos elegantes cafés para seus happy hours.
Esta era, enfim, a cara de Santos na manhã de 1922. Imponente, influente e dona de uma vida cultural e social agitadíssima. Que o diga os salões dos principais clubes da cidade, como o XV ou o Éden, ou os palcos do Guarany e Coliseu, ou mesmo as inúmeras casas de cinema, que fizeram de Santos a cidade com a maior quantidade de salas de exibição do país. O ano do Centenário foi um ano promissor e agora, cem anos depois, é o que desejamos para uma cidade que nunca desaprendeu de se reinventar.