Explosão de carroça carregada de dinamite no centro da cidade causou mortes, destruição e pânico em Santos, marcando para sempre o dia 22 de junho de 1895.
Santos, sábado, 22 de junho de 1895
O dia parecia seguir seu curso habitual, com o sol atravessando as ruas de paralelepípedos e o vaivém de bondes e carroças compondo a rotina urbana. Nada parecia anunciar o que estava por vir. No entanto, o relógio marcava cinco horas da tarde quando um estampido violento rompeu o ar, sacudindo os alicerces da cidade e lançando a pacata Santos em estado de pânico.
A explosão foi sentida em diversos pontos da pequena cidade. Portas estremeceram, janelas estilhaçaram-se, pessoas correram pelas ruas em busca de respostas. As imediações do Paquetá foram as mais afetadas. Nas esquinas das ruas General Câmara e Dr. Eduardo Pereira (atual João Octávio), o cenário tornou-se desolador, como se uma guerra tivesse passado por ali.
A explosão que mudou a tarde
O desastre teve início com a explosão de uma carroça que transportava dinamite, retirada momentos antes do cais santista. A carga explosiva teria sido desembarcada da barca dinamarquesa Julie e consignada à firma Karl Valais & Cia. Ao trafegar pela rua General Câmara, na esquina com a rua Dr. Eduardo Ferreira, as caixas de dinamite colidiram entre si por razões desconhecidas, provocando uma detonação de grandes proporções.
O veículo foi completamente destruído. Os animais que o puxavam morreram no ato, arremessados a vários metros de distância. O carroceiro teve o corpo desintegrado.
A violência do estampido abalou toda a cidade. Lustres de iluminação foram derrubados, louças quebraram-se e vidraças estilhaçaram-se. Fragmentos de corpos humanos e de animais foram encontrados em vários pontos da região central. Dias depois, pedaços de arreios e até mesmo uma pata de burro foram descobertos no telhado de uma residência da rua 7 de Setembro, esquina com a Constituição.
No local da explosão funcionava um armazém de secos e molhados, cuja estrutura desabou com a força da detonação. Imóveis vizinhos também sofreram severos danos. As ruas General Câmara, Octaviano, Constituição, Rosário, São Francisco, Amador Bueno, Visconde do Rio Branco, Praça da República e Xavier da Silveira apresentaram avarias, com vidraças partidas, paredes danificadas e telhados desabados.
Moradores entraram em pânico. Muitas senhoras desmaiaram ou tiveram crises nervosas. Um funcionário da alfândega, de nome Garcia, residente próximo ao local, encontrava-se de cama devido a uma enfermidade e foi atingido na cabeça. Um conhecido conseguiu retirá-lo do imóvel a tempo de evitar uma tragédia maior. A esposa de Garcia teve uma síncope.
Nas imediações, Eutichiano de Amorim Garcia, funcionário aduaneiro que residia nas proximidades do local da explosão, faleceu após sofrer um ataque cardíaco provocado pelo susto.
Na rua Octaviano, um bonde da linha São Francisco, surpreendido pelo estrondo, atropelou uma mulher que atravessava a linha, causando-lhe ferimentos graves.
A residência e o comércio de Antonio Lapetina, na rua do Rosário, foram afetados. As prateleiras do estabelecimento ruíram e dezenas de garrafas quebraram-se. Um filho pequeno de Lapetina quase foi atingido. Na casa de Soter de Araujo, as janelas estilhaçaram-se.
O telhado da igreja de São Benedito, construída por doação da Viscondessa de Embaré, desmoronou por completo. Na casa do cidadão Eduardo Couto, o telhado caiu e feriu levemente três crianças. O prédio de uma panificação próxima sofreu abalos estruturais.
Um morador do imóvel em frente ao local da explosão perdeu todos os móveis e teve familiares feridos. Carlos Rocha, ao ajudar na retirada de escombros, foi atingido por uma portada na testa.

Prejuízos, feridos e solidariedade
Leolindo Ferreira, que mantinha uma fábrica de bebidas na rua General Câmara, teve grandes prejuízos. Em sua casa, o teto do quarto desabou sobre a cama, que estava desocupada. Joaquim José de Toledo, proprietário da farmácia Ypiranga, socorreu sete feridos.
Um trabalhador que passava pela rua Octaviano sofreu fratura na perna. O membro ficou parcialmente pendurado, e ele foi carregado para casa por transeuntes.
Na residência de Antonio Fernandes Pacheco, o lustre da sala caiu e se despedaçou. Na casa de Raymundo Theodosio Gomes, a louça disposta sobre a mesa do jantar foi arremessada ao chão. A esposa do comerciante Pedro dos Santos teve um mal súbito.
Na redação do jornal A Tribuna, uma tábua do forro caiu, quase atingindo Miguel Lapetina. Em outro imóvel da rua do Rosário, o lampião de sala da casa de João Baptista Tourinho quebrou-se com o impacto.
Todos os médicos da cidade acorreram ao local para prestar os primeiros socorros. O Corpo de Bombeiros atuou com rapidez. A limpeza pública compareceu e iniciou a remoção de destroços. A polícia enviou 25 praças, que montaram guarda nas casas mais danificadas. Moradores e voluntários auxiliaram nas buscas entre os escombros, com receio de haver vítimas soterradas.
Os animais mortos foram enterrados por ordem do feitor Vicente Gonçalves. O delegado da cidade, Izidoro Campos, chegou cedo ao local e tomou as primeiras providências emergenciais.
Causas, revolta e cobranças
A tragédia revelou graves falhas no manejo e transporte de materiais explosivos. O protocolo vigente determinava que dinamite fosse descarregada apenas em pontões ou depósitos apropriados do lado oposto da baía. A carga, entretanto, vinda da barca Julie, foi transportada por carroça através das vias centrais, o que contrariava todas as normas de segurança.
O episódio gerou grande comoção. O Grêmio Dramático Arthur Azevedo e o Club XV hastearam bandeiras a meio-pau em sinal de luto.
Após o ocorrido, moradores lembraram que o antigo prédio do Trem (Bélico) armazenava outros inflamáveis, gerando nova onda de preocupação. As autoridades foram convocadas a fiscalizar todos os depósitos urbanos.
A população exigiu investigação rigorosa e responsabilização dos envolvidos. Comerciante, funcionário público ou agente portuário — ninguém deveria ficar imune às punições previstas em lei.
Feridos foram levados à Santa Casa de Misericórdia, onde receberam os cuidados possíveis. Santos viveu um de seus dias mais sombrios, marcado por um erro trágico que jamais deveria ter ocorrido.