A primeira morada do mais ilustre santista, José Bonifácio de Andrada e Silva

Não há a menor dúvida de que entre todos os santistas, o mais ilustre tenha sido José Bonifácio de Andrada e Silva, uma figura extraordinária que marcou seu nome e trajetória na sociedade intelectual e política da América e da Europa. O “Patriarca da Independência”, mais do que um hábil estadista, foi um aluno esmerado das ciências humanas e naturais, escrevendo e difundindo ideias e ideais por onde passou. Como mineralogista, descobriu pedras importantes, como a escapolita, a criolita, o espodumênio e a petalita; como naturalista, foi o mentor da legislação protetiva das matas brasileiras, a começar pela recuperação da Floresta da Tijuca; como humanista, foi o precursor da libertação de negros escravos, sessenta anos antes das primeiras leis abolicionistas. José Bonifácio era, fundamentalmente, um homem à frente de seu tempo, a qual Santos teve o privilégio de servir como berço e primeira morada.

José Bonifácio de Andrada e Silva

A CASA DOS ANDRADAS

A família Andrada chegou a Santos pelas mãos do avô paterno de José Bonifácio, José Ribeiro de Andrada, um militar português que migrara para São Paulo em fins do século 17, se tornando aqui capitão do Exército lusitano. A avó, Ana da Silva Borges, no entanto, era santista. Um dos filhos do casal foi Bonifácio José Ribeiro de Andrada, que se casou com uma prima, Maria Bárbara da Silva, com quem teve 10 filhos, sendo o segundo, nascido em 13 de junho de 1763, batizado com o seu próprio nome, porém de forma invertida: José Bonifácio. Nesta época, a vila de Santos contava com pouco mais de dois mil habitantes e treze vias, segundo o censo de 1765. Uma delas era o endereço da Família Andrada, a Rua Direita (atual XV de Novembro, na altura do número 109), considerada a mais importante do pacato lugarejo portuário. O grande sobrado da família era um dos mais vistosos da rua, e não era para menos, uma vez que o pai de José Bonifácio era considerado o segundo homem mais rico de Santos. Com a morte do patriarca da família, o sobrado ficou para os filhos mais novos, que continuaram a viver em Santos, enquanto José Bonifácio já vivia na Europa e depois mudara para o Rio de Janeiro, junto da família real.

INDEPENDÊNCIA E ABOLIÇÃO DA ESCRAVATURA

Em 1822, às vésperas da Independência do Brasil, este casarão foi palco de um suntuoso jantar oferecido ao então Príncipe Regente, Pedro de Alcântara, quando da passagem deste em Santos, no dia 6 de setembro. Diz a “lenda” que nesta recepção da família Andrada à sua Alteza, o Príncipe teria exagerado na comida (à base de carne de porco), o que daria a origem a um desarranjo intestinal que motivaria seu retorno antecipado à São Paulo, onde quis o destino, proclamasse a Independência do Brasil às margens do Rio Ipiranga.

Outro episódio envolvendo a casa onde nasceu José Bonifácio aconteceu durante as comemorações da assinatura da Lei Áurea (que aboliu a escravatura no Brasil), em 1888. Na data histórica, o famoso advogado e abolicionista Silva Jardim, que era ligado pelo casamento à família do Patriarca, com a ajuda de alguns companheiros de luta, mandou colocar na fachada do sobrado uma placa de mármore com os seguintes dizeres: “Esta é a casa em que nasceu e morou José Bonifácio de Andrada e Silva, patriarca da Independência do Brasil. A cidade de Santos, reconhecida, mandou aqui colocar esta lápide no dia 13 de junho de 1888, aniversário de seu nascimento.” Dos lados estavam a data de 11 de abril de 1888 e a seguinte inscrição: “Um grupo de abolicionistas“. Na parte superior existia um livro com o dístico: “A Lei“. A referencia se deveu ao fato de Bonifácio ter sido o primeiro abolicionista do Brasil. Vale dizer que nesta época, a rua Direita já havia trocado de nome e se chamava 25 de Março. Com a demolição do sobrado, em fins do século XIX, a placa desapareceu.

POLÊMICA DO LUGAR

Há, entre historiadores e pesquisadores da vida de José Bonifácio, uma polêmica que envolve a exata localização da casa da família Andrada na atual rua XV de Novembro. Enquanto alguns poucos defendem que o sobrado localizava-se onde hoje há uma edificação que ostenta a esfinge do Patriarca da Independência (antigo prédio do Banco do Comércio e Indústria de São Paulo – Comind), situado na mesma quadra da Bolsa do Café, a maior parte dos pesquisadores e biógrafos de Bonifácio defende a tese de que a antiga casa da família Andrada ficava do outro lado da rua, onde hoje existe um estacionamento (da Secretaria de Educação de Santos).  Independentemente do lado da rua, certo é que aquele trecho do antigo espaço conhecido como Quatro Cantos testemunhou os primeiros passos do pequeno José Bonifácio, que corria por suas ruas de terra batida, com o espírito pulsante de alegria e muitos sonhos a concretizar.

Rua XV de Novembro, 107 / 109 (antigo nº 21, em 1830 quando se chamava "Rua Direita" e, nº 29, em 1888 quando conhecida por "Rua 25 de Março"). Nesta casa provavelmente morou José Bonifácio de Andrada e Silva. A placa que se vê no frontispício do prédio, foi colocada por iniciativa de Antônio Silva Jardim e um grupo de amigos, em 1888.
Rua XV de Novembro, 107 / 109 (antigo nº 21, em 1830 quando se chamava “Rua Direita” e, nº 29, em 1888 quando conhecida por “Rua 25 de Março”). Nesta casa provavelmente morou José Bonifácio de Andrada e Silva. A placa que se vê no frontispício do prédio, foi colocada por iniciativa de Antônio Silva Jardim e um grupo de amigos, em 1888.
Cópia de uma página do recenseamento de Santos, em 1765, no qual se vê a indicação das casas da Rua Direita em que moravam então os avós e os pais de José Bonifácio (No Arquivo do Estado - Recenseamentos coloniaes)
Cópia de uma página do recenseamento de Santos, em 1765, no qual se vê a indicação das casas da Rua Direita em que moravam então os avós e os pais de José Bonifácio (No Arquivo do Estado – Recenseamentos coloniaes)
No livro de Alberto Sousa, “Os Andradas”, é publicada esta imagem da casa onde morava a família Andrada no ano da Independência, à Rua Direita, 29. A fotografia foi tirada em 1888, no mesmo ano em que alguns abolicionistas colocaram uma placa de mármore referenciando o lugar.
No livro de Alberto Sousa, “Os Andradas”, é publicada esta imagem da casa onde morava a família Andrada no ano da Independência, à Rua Direita, 29. A fotografia foi tirada em 1888, no mesmo ano em que alguns abolicionistas colocaram uma placa de mármore referenciando o lugar.

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