A Zona Noroeste, desde 1962, na visão aerofotogramétrica

Um dos meios mais eficazes para observar o avanço urbano das cidades é através de levantamentos aerofotogramétricos,técnica de cobertura aerofotográfica, executada para fins de mapeamento. Uma aeronave equipada com câmeras fotográficas métricas percorre o território fotografando-o verticalmente, seguindo alguns preceitos técnicos como: ângulo máximo de cambagem, sobreposição frontal entre as fotos, sobreposição lateral, entre outros. Implantados nos anos 1940 pelo governo do Estado de São Paulo como uma ferramenta estratégica para o controle de áreas ocupadas e divisas municipais, os levantamentos aerofotogramétricos, no entanto, já existem desde o final do século 19. Mas foram durante as grandes guerras (1914-1918) e (1939-1945) que a técnica se desenvolveu.

Santos, assim como toda a região, é objeto de estudos aerofotogramétricos desde 1942. No início, o foco se concentrava nas áreas do Centro Histórico, morros e área leste da cidade. A partir de 1962, a Zona Noroeste entrou na mira das câmeras instaladas nos aviões contratados pelo Instituto Geográfico Geológico do Estado de São Paulo (substituído pelo Instituto Geográfico e Cartográfico em 1976).

O Memória Santista obteve alguns desses levantamentos (1962, 1970, 1987 e 1997) e, a partir da leitura dessas imagens, faz uma breve descrição sobre o povoamento da última área plana da ilha de São Vicente, onde habitam hoje cerca de 120 mil pessoas, distribuídas em 16 bairros.

Na planta de Estevan Fuertes, de 1894, a Zona Noroeste é tida como um espaço de “pântanos salgados”.

Antes de 1962 – Antecedentes

A área conhecida hoje como Zona Noroeste de Santos fica, como o próprio nome já evidencia, no Noroeste da Ilha de São Vicente, área alagadiça composta basicamente por pântanos salgados e manguezais, conforme podemos verificar em antigos mapas confeccionados até cerca de 1880. Na região, destaca-se a presença histórica do Engenho dos Erasmos (1534), situado nas fraldas do morro da Caneleira e o antigo caminho que ligava as vilas de São Vicente a Santos, também margeando a cadeira de morros (uma vez que as áreas planas ficavam alagadas na maior parte do tempo).

A situação da Zona Noroeste começa a mudar a partir de meados do século 19, quando se instalam na região os trilhos para a linha de bonde puxada a tração animal (1872) e logo depois uma pequena estrada de ferro, o chamado Trem dos Emmerich (1873). Ainda no século 19, é instalado naquela área a primeira versão do Matadouro Municipal, às margens do Rio São Jorge.

Há documentos dando conta da existência de alguns poucos sítios na região em 1860, como o Sítio dos Bugres, de São Jorge e Bom Retiro. Por conta do Matadouro, muitas das áreas situadas às margens das estradas entre Santos e São Vicente eram utilizadas como pastos para os animais.

A ocupação mais acentuada na Zona Noroeste se deu, no entanto, nos primeiros anos do século 20. Em 1916, o Matadouro ganha uma edificação moderna e os manguezais passam a ser aterrados de forma mais enfática, fazendo surgir algumas casas ao longo da estrada que viria a se tornar a Nossa Senhora de Fátima (que, aliás, ganhou esse nome em 1951 por conta da pequena capela dedicada à Santa na antiga via do Matadouro).

Invasões e grupos de loteamentos privados fazem surgir, então, núcleos de moradores em vários locais, entre eles a chamada “Areia Branca”, ponto de partida para o avanço sobre as áreas alagadas que fizeram nascer a imensa região da Zona Noroeste.

A aerofotogrametria de 1962

Quando o avião da Aerofoto Natividade, empresa contratada pelo Instituto Geográfico Geológico do Estado de São Paulo para promover um levantamento aerofotogramétrico do litoral, sobrevoou a Zona Noroeste, em meados de 1962, a região já apresentava uma ligeira ocupação, embora sem uma densidade considerável. À exceção da Areia Branca e suas ruas irregulares, os demais bairros estavam formados legalmente e seu arruamento disciplinado.

Observando os detalhes da imagem de 62, verificamos que, em primeiro lugar, é muito contrastante, aos tempos atuais, a ausência das casas em palafitas nas margens do Rio dos Bugres. Contando ainda com a vegetação de manguezal, essas áreas ainda eram habitat de peixes e crustáceos variados.

Outro ponto é a formação do futuro Horto Municipal, situado entre o Bom Retiro e Santa Maria. Só nos anos 1970 é que o espaço iria ser inaugurado. Por sinal, também não havia nem sombra da construção dos conjuntos habitacionais Castelo Branco e Dale Coutinho, além dos ginásios e das escolas da Zona Noroeste.

É interessante notar a ocupação urbana na linha divisória de São Vicente, onde há aglomeração residencial apenas no município vizinho (Jardim Guaçu). No lado santista, há tão somente uma enorme gleba de terreno virgem de tamanho equivalente a 128 campos de futebol (aproximadamente 900 mil metros quadrados).

Havia um riacho, que aparece no alto da imagem, que justifica a existência do canal da avenida Hugo Maia. No Morro do Ilhéu já havia indícios de desmatamento que dariam origem às futuras construções residenciais no local.

A aerofotogrametria de 1970

Oito anos depois da aerofotogrametria de 1962, é possível notar um avanço urbano e de infraestrutura exponencial na Zona Noroeste, em especial no Rádio Clube e Jardim Castelo. Já aparecem na imagem de 1970 os prédios das escolas Fernando de Azevedo e Zulmira Campos (ainda em construção – a escola só seria criada em 1988), além do Pronto Socorro Municipal (prédio atualmente ocupado pelo Ambesp da ZN).

Na divisa com São Vicente é possível ver o aterramento e terraplanagem de uma vasta área, de onde surgiriam várias ruas novas no bairro Castelo Branco, como Dr. Horácio Cyrillo, Iracema Rocha Manzione, Genivaldo José Damasceno, Antônio Alves Arantes, entre outras. Nas margens do Rio dos Bugres, os indícios latentes de ocupação por casas em palafitas, com diversas pontes de madeira ligando a atual avenida Brigadeiro Faria Lima com os caminhos São José e São Sebastião.

O Bom Retiro consegue chegar até quase à margem do Rio dos Bugres, nas fraldas do Morro do Ilhéu. O bairro começa a ser fortemente ocupado, assim como Santa Maria.

Também é possível já observar a presença da Igreja da Sagrada Família (criada em 1968) e a terraplanagem para a construção do Parque Recreativo Manoel Nascimento Júnior, defronte ao Horto Municipal, na Jovino de Melo.

Uma curiosidade na imagem é a mancha que sobrou do riacho que foi canalizado com a criação da Avenida Hugo Maia.

A aerofotogrametria de 1987

Dezessete anos depois, a Zona Noroeste já era outro lugar. Na imagem já temos a Praça Jerônimo La Terza, como ponto referencial da região, ponto final de várias linhas de ônibus. Também já temos os conjuntos residências Castelo Branco e Dale Coutinho (incluindo o Ginásio Esportivo do Complexo) e todo o bairro formado no entorno. O quartel do Corpo de Bombeiros já aparece na imagem aérea, nas proximidades da Igreja da Sagrada Família.

A densidade populacional é considerável, contando com mais de 60 mil pessoas ocupando a ZN. O avanço desenfreado sobre o Rio dos Bugres criou um cinturão de miséria no lugar. As palafitas se tornam um problema crônico na cidade.

Em 1987 já estão em funcionamento a Escola Pedro Crescenti e a Escola Francisco Meira, além do Pronto Socorro do Rádio Clube, na Hugo Maia.

Na ZN, no final dos anos 1980, só restam duas grandes áreas livres. Na ponta do Rádio Clube, onde é possível ver campos de várzea e no lugar conhecido como Estradão, onde mais tarde construiriam o Sambódromo da cidade.

A aerofotogrametria de 1997

 

Dez anos se passaram e a ZN praticamente “explodiu” em termos de ocupação urbana. A área de manguezal do rio dos Bugres foi extinta por completo, totalmente tomada por centenas milhares de barracos em palafitas. A densidade populacional trouxe diversos problemas para a região. A Prefeitura ainda tentou minimizar a questão colocando em prática alguns projetos habitacionais, mas foi como enxugar gelo. Colocavam os moradores de palafitas em prédios de alvenaria, mas muitos dos contemplados os vendiam e voltavam ao mangue.

Nesta aerofotogrametria ainda era possível vislumbrar a última área livre da ZN, hoje ocupada por um conjunto de prédios de cinco andares, da Companhia de Habitação da Baixada Santista (Cohab-BS), no alto do Rádio Clube.

Hoje – 2019

Imagem retirada do aplicativo Google Earth