É mérito para poucos atravessar 150 anos mantendo a respeitabilidade conquistada pela Associação Comercial de Santos, entidade que ajudou decisivamente na construção da cidade e suas modernidades. Nascida sob a égide do progresso, a ACS influenciou e contribuiu para o avanço da educação, das artes, do transporte, do porto, da vida social e, é claro, das relações comerciais santistas com o resto do País e do mundo. Sua força simbólica é tão intensa que a entidade possui o Livro de Visitas mais badalado da cidade, com a assinatura de personagens históricos que vão de D.Pedro II, Olavo Bilac, Washington Luiz, Juscelino Kubitschek, Ruy Barbosa a nomes mais recentes como os de Geraldo Alckmin, José Serra, e a presidenta Dilma Rousseff.
Nestes 150 anos de existência a ACS mantêm-se com o mesmo espírito empreendedor, conduzindo as aspirações santistas pelo progresso e pelo futuro promissor, atuando de maneira firme com o pensamento à frente, mas sem esquecer-se de um passado repleto de conquistas e muitas lutas árduas.
Em 1846, o Brasil vivia um borbulhante clima de euforia, estimulado, principalmente, pelas perspectivas de crescimento apresentadas por um novo ciclo econômico nacional, advindo da riqueza nacional emergente: o café. A cidade de Santos, notabilizada como a principal porta de saída de produtos paulistas, do açúcar ao tabaco, para o resto do mundo, começava a dar seus primeiros passos rumo ao maior planejamento de expansão já visto. Para isso, era extremamente necessário buscar uma organização que conduzisse esse crescimento, um ente administrativo que fosse, preferencialmente, conduzido por empresários influentes, geradores das maiores oportunidades e comércio locais.
Destes movimentos iniciais surgiram as ideias pioneiras para a criação de uma associação que organizasse as regras para o bom andamento dos trabalhos no município, que desejava se manter entre os mais importantes e influentes do Brasil. No entanto, esses primeiros movimentos não lograram êxito. As ideias ainda precisavam ser amadurecidas.
Quatro anos mais tarde os santistas voltaram à carga e tentaram tirar do papel a ideia de criar o órgão interlocutor que pudesse tramitar tanto junto aos mais importantes fazendeiros do interior, quanto entre os agentes do governo, fossem eles da esfera do Governo Imperial, da província paulista e até junto à intendência municipal. No entanto, mais uma vez, as coisas não saíram como se desejou, muito em função da cidade ser incipiente, não dispor de recursos para enfrentar o enorme desafio, que era investir em modernização. Santos, à época, ainda era totalmente dependente do Governo do Império para funcionar para valer.
Porém, a cidade carregava um trunfo na manga: O porto. Mesmo precário em instalações, seus atracadouros venceram as desconfianças gerais, pelo fato de estarem estrategicamente muito bem posicionados. Assim, foi o porto santista quem garantiu a sobrevivência da ideia. Na metade do Século XIX ele já era referência dentro e fora do País.
força do café sacudia o Brasil de norte a sul e os trens traziam a modernidade necessária para alavancar ainda mais o transporte do “ouro verde” do interior para o litoral e seus portos. Foi essa corrente que trouxe à Santos a São Paulo Railway, a estrada de ferro dos ingleses responsável, em 1867, por colocar a cidade, de uma vez por todas, no mapa do desenvolvimento nacional.
Naquele mesmo ano o clima de expectativas transbordara, como transbordavam os grãos de café dos armazéns para os vapores atracados no porto santista. A via férrea foi ampliada e acelerou, consideravelmente, a capacidade de escoamento de toda a produção agrícola das fazendas do interior.
O ritmo alucinante das exportações, via Porto de Santos, transformou a cidade. A população duplicava a olhos vistos. De 1843 para 1885, Santos saltou de 3.500 para 15.600 habitantes. Em 1870, o porto santista era o responsável pela exportação de 80% da produção de café nacional. O dinheiro corria solto e gerava centenas de empregos. Mais do que nunca, havia a necessidade de organização. Caso contrário, o comércio descontrolado poderia tornar a economia local num verdadeiro caos.
O “ouro verde” virou a moeda forte do mercado, impulsionando a economia local e o comércio exterior. O Brasil, mais do que em qualquer outra época histórica, se tornou um dos focos de atenção do comércio internacional.
Crescimento desenfreado
O clima de euforia também trouxe na bagagem uma intensa atividade cultural. Ideias inovadoras fervilhavam por todos os cantos e contemplavam questões voltadas ao abolicionismo. O Teatro Guarany, inaugurado em 1888, primeiro grande palco da cidade, se tornou local de calorosas manifestações pela soltura dos escravos. Seria também lugar do primeiro encontro entre o atuante Comendador Vergueiro e o pintor Benedicto Calixto – cujo relacionamento veremos à frente.
Contudo, na rasteira do progresso vieram os problemas. A ocupação desenfreada da cidade, sobretudo das encostas dos morros, sem estrutura e saneamento básico, acenavam com um véu tenebroso. Os que aqui aportavam em busca de dinheiro fácil acabavam obrigados a viver nestas encostas e em submoradias, como os cortiços. Resultado: Com as epidemias que assolaram a cidade a partir da segunda metade do século XIX, esses aventureiros e suas famílias morriam aos montes, vitimados por doenças como tuberculose e peste bubônica. O “porto da esperança” acabou transformado, para muitos, em “porto da morte”.
O contrabando de cargas era atividade corriqueira. Havia muitos mosquitos, mau cheiro, febre amarela e outras doenças de fácil transmissão que matavam inúmeras pessoas a cada dia.
Essas mazelas só seriam sanadas anos mais tarde, graças à duas das mais importantes intervenções urbanas de Santos: a construção do porto organizado, a partir de 1891, obra dos empresários Cândido Gaffrée e Eduardo Guinle e o Saneamento de Santos que, com o projeto dos canais de Saturnino de Brito, foi responsável pelo fim definitivo das doenças. Ou, como muitos historiadores gostam de falar, o renascimento de Santos.
Voltando aos anos finais da década de 1860, Santos viveu um período de forte movimentação de cargas, por causa dos trens. A consequência negativa disso foi o surgimento de um imenso gargalo na logística de embarque dos produtos nos vapores, jamais vista anteriormente. (Hoje podemos dizer que estamos vivendo uma nova era de gargalo)
Decididos a dar um ponto final no clima de desorganização prenunciada, depois de duas tentativas frustradas, deu-se, em 1870, o primeiro e definitivo passo para a criação da Associação Comercial de Santos. Afinal, era preciso criar um organismo forte e representativo, que fosse reconhecido pelo Governo Imperial e legitimaria a posição de Santos, como praça privilegiada para ditar as regras do negócio. Era isso que todos por aqui queriam.
A espera foi tanta e tão sofrida, que a primeira reunião informal da primeira Associação Comercial aconteceu praticamente na noite de Natal, constituindo-se como um autêntico presente natalino, encerrando longa espera e expectativas. Foi em 22 de dezembro de 1870 que os comerciantes da praça santista fundariam oficialmente a Associação Comercial de Santos e definiriam seus propósitos iniciais.
Porém, antes de descerrar as cortinas do ano original, no dia 31 de dezembro acontecia a 1ª reunião oficial do grupo de pioneiros, em sua maioria composta por empresários do ramo de café. Eufóricos, brindaram o ano que vinha pela frente e já começaram a pensar no local adequado para abrigar a sede da recém-criada instituição.
Os registros das primeiras reuniões, embora amarelados, permanecem intactos até hoje e dão conta das providências iniciais garantidas pelos empresários da época. A principal delas determinou a escolha de uma mesa diretora, o que, porém, não ocorreu na primeira sessão, mas nas seguintes, quando foram empossados “provisoriamente” os senhores Nicolau Vergueiro, presidente, e demais membros: Inácio Wallace da Gama Cócrane, Gustavo Backheuser, William T. Wright, Carlos Wagner e José de Azurem Costa. Essa diretoria “tampão”, contudo, conduziu a ACS por quatro anos.
A questão foi que, assim que formada, a primeira diretoria assumiu a tarefa de organizar um Fundo Social para bancar as despesas e elaborar o primeiro estatuto. Ocorre que, com a morosidade burocrática latente do período imperial, a entidade só teria sua aprovação, com devida autorização de funcionamento pelo Império do Brasil, em 29 de março de 1874. A mesma foi assinada pela Princesa Imperial Regente, Isabel, que representava o Imperador Dom Pedro II, seu pai.
Desta feita, foi somente em 14 de outubro de 1874 que a Associação Comercial pôde empossar, de fato, sua primeira mesa diretora, com a posse, agora oficial, do comendador Vergueiro à frente da entidade, cargo que acabou exercendo até 1878. O pleito histórico ocorreu em uma das salas existentes no sobrado da Rua da Praia n.º 38, de propriedade do presidente Comendador Nicolau Vergueiro. Ao final da eleição, empolgado, o empresário ofereceu todo o prédio à Associação que ajudara a fundar. Ali ela deveria se manter em funcionamento regular até a construção da sede própria. A sede própria, aliás, prometia ser um capítulo à parte na história da ACS.
Influência por todos os poros
Após anos de entraves burocráticos e frustações acumuladas, a ACS alçava voo para o estrelato e se tornaria tão influente, tão importante e tão indispensável que, em determinado momento histórico, ocorrido em 1891, chegou até a conduzir os rumos do município de Santos, no mais amplo sentido da palavra. Naquele ano o povo santista, cansado dos desmandos do presidente general Deodoro da Fonseca e do governador da Província de São Paulo por ele nomeado, Américo Brasiliense, foi às ruas exigir não só a deposição de ambos, mas também do intendente e dos vereadores de Santos. Para o lugar destes últimos, a população só confiava nos homens da Associação Comercial. E assim foi.
O município foi entregue à diretoria da Associação Comercial, que se encarregou de conduzi-lo até “que o novo presidente do Estado resolva a tal respeito as atribuições da atual Intendência, cuja competência fica terminada”. A ACS ficou no poder de 14 a 30 de dezembro daquele ano, quando assumiram a nova Intendência os drs. João Galeão Carvalhal e Lino Cassiano Jardim e a Câmara Municipal os srs. Francisco Cruz, Antônio Augusto Bastos, Antônio José Malheiros Júnior, Raimundo Gonçalves Corvelo e Teófilo de Arruda Mendes. Pelo espaço de 15 dias, portanto, a Associação Comercial de Santos administrou o Município, assegurando-lhe tranquilidade social e ordem pública.
O poder de fogo da ACS era realmente intenso, principalmente porque era a entidade que administrava o movimento do ouro verde na cidade, antes do surgimento da Bolsa do Café. Muitas personalidades, em passagem pela cidade, faziam questão de reverenciar a Associação Comercial, o que tornou o Livro de Ouro que a entidade mantém até hoje, um dos mais ricos em termos de assinaturas notórias.
Outra forte influência da ACS foi na formação do Porto Organizado de Santos. A entidade, que representava os interesses de exportadores e importadores, foi a que exerceu maior pressão para que fossem contratadas empresas com gabarito para dar outra cara ao já defasado cais santista.
E não havia outra coisa a fazer. À beira-mar, as mercadorias se amontoavam, da praça da Alfândega ao Valongo, em pátios de terra, improvisados, sem estrutura adequada, sem condições de higiene, sofrendo as consequências de permanecerem ao relento, particularmente nos meses de Verão, quando as chuvas aumentavam. A alta da maré atingia as sacas de café, comprometendo a qualidade e até apodrecendo o grão.
A Associação Comercial de Santos tomou frente às reivindicações junto às autoridades da Corte e da Província, como pode se ver em ofício enviado pela entidade: “Verdadeira anarquia reina em quase todos os serviços de Santos: os armazéns da alfândega, as pontes, os armazéns particulares, as praças e ruas públicas acham-se empilhadas de mercadorias, a maior parte sujeita às intempéries e ao roubo…. A gatunagem tem tomado súbito impulso: quadrilhas para tal fim organizadas dão caça às mercadorias assim abandonadas e a polícia sente-se impotente para dominar essa nova indústria, porque nem de força pública dispõe”.
A pressão surtiu efeito em 19 de outubro de 1886, quando o então Ministério de Viação e Obras Públicas publicou edital reabrindo a concorrência para as obras. Finalmente, em 12 de julho de 1888 é que foi celebrado o contrato de construção do Porto, assinado pela Princesa Isabel e referendado pelo ministro da Agricultura, Comércio e Obras Públicas, o paulista Antônio da Silva Prado. Quatro anos depois, em 2 de fevereiro de 1892, com muita festa na cidade é que foi entregue ao tráfego o primeiro trecho de cais, com 260 metros, compreendido entre a rua nova aberta junto ao Arsenal da Marinha e a Alfândega, com a atracação do navio inglês Nasmyth, de Liverpool. Santos ganhou naquele momento o primeiro Porto Organizado do País. De participação tão decisiva neste processo, o ex-presidente da ACS, o gaúcho Francisco de Paula Ribeiro (Chico de Paula), acabou se tornando o primeiro superintendente da nova Companhia Docas de Santos, cargo em que se manteve até 1902.
A atuação da ACS, ao longo de sua trajetória, registrou fatos tão marcantes na história de Santos, que praticamente todas as conquistas ao longo das primeiras décadas do Século XX se deram com a participação direta ou indireta da instituição, seja para o desenvolvimento social, cultural, político ou financeiro de Santos.
Não podemos reputar como coincidências, mas o fato é que após a fundação da ACS muitas e importantes iniciativas foram tomadas em benefício da população e do desenvolvimento da cidade, como na elaboração dos Códigos de Obras para o município. Antes da Associação Comercial, por exemplo, não existiam ou não funcionavam a contento os serviços de esgoto e coleta de lixo, iluminação pública, água para consumo domiciliar, ruas pavimentadas, ou pelo menos capazes de prover o escoamento de águas pluviais. Não existiam bancos, transporte coletivo e tampouco um cais organizado. A entidade foi decisiva em todas as etapas destes processos de desenvolvimento, fosse diretamente responsável, ou saindo na foto com mérito de causa.
A sede
Apesar da grande demanda de esforços, a Associação Comercial suou muito para ver em pé sua tão sonhada sede própria, concluída no ano de 1924, após viver uma longa e complicada novela.
Durante o processo de construção aconteceram incêndios, embargos e paralisações por conta da falta de recursos. Apesar de tantos percalços, os membros da ACS não desistiriam.
O início do final feliz foi 1920, na gestão de Antonio da Silva Azevedo Júnior (1915 e 1920 a 1924). Cansado de tantas trapalhadas, ele determinou que a construção ficaria a cargo da Companhia Construtora de Santos, a mesma que era responsável por outras obras de vulto na cidade e dona de um time de arquitetos arrojados. No portfólio da empresa, edificações majestosas como o prédio da Bolsa Oficial de Café, o edifício do Teatro Cassino Parque Balneário, o prédio da Companhia Frigorífica, o monumento e Panteão dos Andradas, entre outros.
A cerimônia de assentamento do marco fundamental foi concorrida. No dia 21 de agosto de 1921, estiveram presentes várias personalidades, incluindo o então presidente da República, Epitácio Pessoa; o presidente do Estado, Washington Luís Pereira de Sousa e o prefeito de Santos, cel. Joaquim Montenegro; além de diversos membros do Legislativo Federal, Estadual e Municipal, do Corpo Consular, entre outros.
Depois de um período conturbado, as obras acabaram concluídas em 1924, na administração de José Martiniano Rodrigues Alves (1923 a 1924).
No prédio, erguido à Rua XV de Novembro, nº 135, com maior extensão voltada para a Rua Riachuelo, funcionaram inicialmente o Montepio Comercial e a Caixa Beneficente dos Auxiliares do Comércio Cafeeiro de Santos. O lote para construção da tão sonhada sede própria havia sido adquirido em1883, após um incêndio ter destruído o prédio existente anterior.
Do ponto de vista arquitetônico, acompanhando as construções mais significativas daqueles anos, a sede da ACS obedeceu ao estilo eclético, com forte influência barroca. As fachadas, mantidas em excelente estado de conservação, apresentam riquezas nos detalhes, com suas sacadas, grandes janelas e portas balcão, com vista para o porto de Santos.
A relação com o café
Por ter sido fundada por legítimos barões do Café, a Associação Comercial de Santos, embora represente e tenha representado vários segmentos de outras commodities nacionais, mantém uma estreita relação histórica com o “ouro verde”. Na época de fundação da ACS, a cidade de Santos abrigava cerca de 50 armazéns de café, num tempo em que praticamente tudo na economia santista girava em torno do produto. Mesmo o tempo passando, as marcas do café ficaram indeléveis na essência da Associação, notadamente visível em detalhes de suas instalações, como nos vitrais que adornam o teto da Sala de Classificação (páginas ao lado) e na calçada do entorno da sede (foto abaixo). Além disso, o prédio abriga equipamentos antigos diversos como torradores, moedores, balanças, sem falar no mobiliário original do período mais pujante do café. Todos esses elementos não permitem negar a forte influencia do mercado cafeeiro na existência da ACS, desde a elaboração dos ideais estatutários, passando pela construção do imponente e centenário prédio até os dias de hoje.
Café ainda faz parte do dia a dia
Com a credibilidade e a tradição de quem sempre dominou o mercado, a ACS ainda é responsável pela certificação e emissão de laudos de qualidade de café, sendo uma das entidades mais procuradas pelo mercado internacional. Em 1989, a Associação Comercial de Santos lançou um curso de classificação e degustação de café para aprimorar os padrões dos profissionais do setor. Ministrado até hoje, o painel tem reconhecimento internacional e já formou alunos de todos os continentes.