Quem viaja de São Paulo para Santos, ou vice-versa, tanto pela Rodovia Anchieta como pela Rodovia dos Imigrantes, nunca está sozinho. São milhares de veículos que circulam pelas estradas da Serra do Mar todos os dias. Nos finais de semana e feriados prolongados, este número sobe consideravelmente, para centenas de milhares. São tantos carros, que mal dá pra imaginar como teria sido a viagem pioneira, o primeiro carro a vencer a distância entre a capital e a cidade portuária mais importante do Brasil, atualmente feita em menos de uma hora de viagem.
Pois bem. A primeira vez que um automóvel atravessou a Serra do Mar foi entre 16 e 17 de abril de 1908, numa verdadeira epopeia que durou 37 horas!
Essa incrível história começou pra valer no dia 12 de abril, quando o aventureiro francês Conde Lesdain havia acabado de completar um incrível reide (excursão) de automóvel entre o Rio de Janeiro e a capital bandeirante, em longos 34 dias, no que foi considerada a primeira viagem de automóvel do Brasil.
Em São Paulo, Lesdain anunciou a intenção de prosseguir a aventura, dirigindo seu carro, um Brasier de 12 HP, pela abandonada Estrada do Vergueiro (o antigo caminho das carruagens para Santos) até a famosa cidade portuária. Foi então que os paulistanos Antonio Prado Júnior (filho do então prefeito de São Paulo, Antonio Prado) e seus amigos Clóvis Glicério e Bento Canavarro, após tomarem conhecimento dos planos do aventureiro estrangeiro, decidiram lhe passar a perna, montando rapidamente uma equipe de expedicionários, em dois carros, juntando-se ao grupo o jornalista Mário Cardim, o chofer da família Prado, Mallé, Paulo Prado e um mecânico que trabalhava para Glicério, que era representante de uma marca de carros, a Motobloc, no Brasil. Os dois veículos utilizados na aventura eram de fabricação francesa: um Motobloc e um Sizaire Naudin.
Depois de quatro dias de preparativos, a viagem pioneira se iniciou na madrugada do dia 16 de abril de 1908, partindo de São Paulo, prosseguindo pela Estrada de Vergueiro (atual Rua Vergueiro) até o alto da Serra, onde os participantes acabaram pernoitando na casa de lenhadores. Na manhã seguinte, chegaram ao topo da Serra, onde parte do grupo desistiu e, com o Sizaire Naudin, voltou para casa. Apenas o Motobloc prosseguiu, com Prado Jr, Canavarro, Glicério e Cardim à bordo.
Após vencerem o trecho de serra, que estava abandonado há mais de 40 anos, chegando a utilizar até dinamite para explodir rochas que haviam deslizado no caminho, os quatro “bandeirantes sobre rodas” (como se autodenominaram na época), chegaram ao destino no final da tarde de 17 de abril de 1908, completando não só a primeira viagem de carro entre São Paulo e Santos, como a primeira realizada dentro do Estado de São Paulo.
Este fato histórico foi o estopim para a mudança de mentalidade das autoridades brasileiras, que começavam a enxergar no transporte rodoviário uma alternativa potencial ao transporte ferroviário.
Em 1938, Prado Júnior e Mário Cardim foram homenageados com uma placa rememorando o fato histórico, sendo esta afixada na subida do Morro de São Bento.
No centenário da viagem, em 2008, o fato foi lembrado e homenageado com um grande evento, onde quase 100 veículos associados ao Automóvel Clube do Brasil viajaram desde o início da rua Vergueiro, em São Paulo, até a Casa de Frontaria Azulejada, na rua do Comércio, com direito a descida da Serra do Mar pela Estrada Velha de Santos, aberta especialmente para a ocasião. No mesmo dia foi lançado o livro “Pelas Curvas das Estradas de Santos”, do jornalista Sergio Willians.