Santos, 24 de janeiro de 1969. A piscina do Clube Caiçara, no José Menino, não estava cheia naquela manhã de sexta-feira, como deveria em mais um dia de Verão. É que a diretoria da agremiação social havia reservado o espaço para que 35 beldades, jovens que disputavam um título curioso, o de “Miss Temporada 1968/1969”, exclusivamente desfilassem para a imprensa. A ideia era promover o evento e conhecer um pouco de cada uma das candidatas ao simbólico trono de “Rainha do Verão Santista”.
Uma a uma, as candidatas ao título de Miss temporada chegavam até a piscina do Caiçara Clube. Morenas e loiras, eram todas muito bonitas e a maioria tinha o clássico tipo brasileiro, com olhos e cabelos escuros. As moças contaram o que faziam na vida e por que entraram para o concurso, mas só uma confessou que havia se inscrito para ganhar o volkswagen 0 km, o primeiro prêmio.
O concurso foi promovido pela Secretaria de Turismo de Santos e previa um desfile das candidatas, de maiô, em uma passarela armada na praia do Gonzaga. Uma comissão julgadora escolheria as finalistas que no dia 2 de fevereiro concorreriam ao título de Miss temporada. Para participar do concurso, a candidata deveria ser brasileira, morar no país, ter mais do que 18 anos, ter idoneidade moral, apresentar três fotos três por quatro e certidão de identidade. Os juízes eram: prefeito Sílvio Fernandes Lopes (que acabou sendo representado pelo vereador Aristóteles Ferreira), os senhores Álvaro Fontes (secretário municipal de Turismo), Vera de Lamare, Luiz de Oliveira Rozete, Gilda de Godói Teles (do Jornal do Brasil); Maria Rita Pinheiro, German Ivan Sindici (da Volkswagen do Brasil), Horácio Neves (da Folha de São Paulo); Cibelle Martins Parreira, Sigrid Sarti, Tereza Bueno Wolf, Giusfredo Santini (do jornal A Tribuna) e Sergio Paulo Freddi (do jornal Cidade de Santos).
Algumas das candidatas:
Ana Maria Guerrize – Com 18 anos, havia concluído o curso ginasial e não sabia se iria continuar estudando. Se definia como muito romântica e adorava comédias americanas. Já tinha desfilado em vários magazines da cidade e trabalhava em uma agência bancária.
Cidneya Vasconcelos Cavazzani – Foi rainha da escola de samba Brasil e estava determinada a fazer o possível para ser a Miss desta temporada. “Um Volkswagen não seria nada mal”, pensava ela.
Dora Maria da Silva – Mulata, de 20 anos de idade, trabalhava e era modelo da Celui-ci. Mesmo que o namorado não tivesse aprovado a ideia, ela estava determinada a fazer o seu melhor para vencer o concurso: “quero ser alguém na vida”.
Fiorella Tavares – Iria tentar o vestibular da Escola de Educação Física de Santos, quando ela fosse criada (estava previsto para aquele ano). Ela fora integrante da equipe de Santos que disputou os Jogos Abertos do Interior. Loira, de olhos castanhos, gostava também de música italiana.
Hermínia Celia Lourença – Se inscreveu por curiosidade: “acho que vou ter uma sensação diferente”. Hermínia gostava de praia e lia José de Alencar.
Kátia Carrilho – praia, baile e cinema eram os programas de fim de semana de Kátia Carrilho. “Mas não o cinema nacional, porque ele só mostra o que o Brasil tem de feio”, disse a jovem santista, de 19 anos, que gosta muito de ler Jorge Amado e estudar balé com o professor Décio Stuart. Terminara o curso normal do colégio Canadá, se formando como professora, e tinha o apoio da família no concurso.
Laís de Oliveira – Santista de 36 anos, apreciava muito a música jovem e de Roberto Carlos. Laís dizia que não tinha muitas pretensões no concurso: “entrei para me divertir”.
Liana Barbosa da Silva – Lorena, de 19 anos de idade, era cabeleireira do Salão Independência entrou no concurso por insistência das colega de trabalho. Nos finais de semana, costumava ir à praia e à noite gostava de ir a uma boate.
Maria Aparecida Costa – Aproveitou uma briga com o namorado para se inscrever. Mineira, de 25 anos, era modista em Santos.
Maria Palmira Vieira – Humilde e alegre, dizia acreditar muito em sua geração: “de nossos jovens sairão muitos gênios”. Palmira tinha 19 anos e estudava no Instituto Itá. Queria continuar estudando, mas ainda não havia decidido: “jornalismo é uma das opções. Gosto muito de escrever, principalmente sobre a minha geração e seus costumes, estabelecendo comparações com os mais velhos”.
Marly Fortes – Marly tocava violão e gostava de qualquer estilo de música. Morena de olhos castanhos, seu hobby era ir à praia e ler Machado de Assis.
Marly Gonçalves Colen – É uma loira de olhos verdes que já tinha experiência em concursos de beleza. Ela trabalhava na galeria Celui-ci como modelo e já havia conquistado o título de Miss Região da Grande São Paulo, assim como o de Miss Guarulhos e o segundo lugar no concurso Miss Santos. Marly tinha 18 anos e gostava muito das poesias de J. G. de Araújo Jorge.
Regina Helena Santana – Regina já tinha conquistado dois títulos em concursos, o de boneca do café e rainha do carnaval de 1968. Ela havia concluído o curso normal no Colégio Canadá e gostava das músicas de Chico Buarque de Holanda. Morena, de 21 anos, ela entrou no concurso incentivada pelos amigos.
Ruth Maria Barretos de Oliveira – Com olhos verdes muito expressivos, essa morena de 18 anos fazia o ensino médio no Colégio Primo Ferreira e gostava muito de praia e cinema. Em sua terra natal, Piracicaba, havia sido Rainha dos Jogos Infantis.
Sônia Marilene Maia – Estudante do segundo ano de Direito na faculdade Taubaté, Sônia se inscreveu por insistência dos pais. Ela gostava muito de cinema, especialmente de Mazzaroppi, “que é da minha terra e eu já fiz uma participação especial em seu filme “Meu Japão Brasileiro”. Morena, de 19 anos, ela lia muito Cronin e tocava piano e acordeão.
Zalytea Borgomone – Com 19 anos, era outra participante que já tinha um título, o de rainha do comércio de São Vicente.
Primeira prova
No dia 26 de janeiro, domingo, aconteceu a primeira prova, o desfile de biquínis, na praia do Gonzaga, onde foi montada uma passarela. O local ficou repleto de curiosos, ansiosos para ver de perto as belas candidatas que lutavam pela vitória. Além do Volkswagen, que seria dado à vencedora, vários prêmios seriam distribuídos para as outras finalistas: uma peruca no valor de 350 novos cruzados da Arnaldo Perucas; um rádio de pilha da AD Moreira; um maiô da Marques Magazine; várias cadeiras de praia da Alcan Alumínios do Brasil; um conjunto de sapato e bolsa da Sapataria Internacional; três maiôs da Celimar, além de 15 sandálias e um guarda-sol.
Final
Das 35 candidatas que se inscreveram no concurso, apenas 15 avançaram para a fase final. As moças chegaram à praia do Gonzaga às 10h00, após desfilarem do Caiçara Clube até a Ponta da Praia em um carro do corpo de bombeiros. A Secretaria de Turismo montou uma barraca ao lado da passarela para abrigar as candidatas do forte calor.
Tentando esconder o nervosismo e tomando refrigerante, as candidatas aguardavam a chamada da comissão julgadora. Por sorteio, as 15 finalistas pegaram seus números e subiram na passarela, começando por Regina Helena Santana, que tinha o número 2. Virgínia Conceição Feródio, que desfilaria com o número 1, acabou desistindo do concurso. Em seguida, subiram Célia Regina Barreira, Sônia Rodrigues Fernandes, Fiorella Tavares, Kátia Carrillo, Maria Inês Vieira dos Santos, Cecília Fernandes, Sônia Maria Troisi, Maria Cristina Teixeira Carnelos, Marly Gonçalves Colen,Yeda Xavier, Wanda Maria de Souza Campos, Rosi Grassi Miessa e Zalytea Borgomoni.
Todas as moças usaram biquínis cedidos pela Miami Vendedor. Às 11h10, a comissão julgadora anunciou os 10 finalistas, e Regina Helena Santana, Fiorella Tavares, Kátia Carrillo, Maria Inês Vieira dos Santos, Sônia Maria Troisi, Maria Cristina Teixeira Carnelos, Marly Gonçalves Colen, Yeda Xavier, Wanda Maria de Souza Campos e Rosi Grassi Miessa retornaram à passarela.
Confusão e protesto
O resultado não agradou a mãe de uma das candidatas, Zalytea Borgomoni. Dona Imperalina Vieira Borgomoni ficou furiosa com a desclassificação da filha e foi preciso muitas pessoas para acalmá-la. “Eu sou uma mulher feia, mas meu marido era bonito e minha filha puxou por ele”, gritava a mãe, inconformada com a decisão dos jurados. Outras pessoas que assistiram ao desfile concordaram com a mãe irritada. Em meio a todo o protesto, Zalytea apenas comentou: “Houver um pouco de injustiça na classifica��ão.”
As finalistas
Depois de uma longa espera, o júri anunciou as cinco moças classificadas para a finalíssima. Sem uma ordem específica de colocação, foram chamadas: Fiorella Tavares, Maria Inês Vieira dos Santos, Marly Gonçalves Colen, Yeda Xavier e Wanda Maria de Souza Campos. Os sorrisos de alegria das cinco candidatas contrastavam com as reclamações das demais. “O erro foi permitirem peruca e cílios postiços. Quem veio ao natural foi prejudicada”, comentou uma das finalistas.
Após desfilarem e posarem para o júri, as candidatas voltaram para a barraca para aguardar o resultado final. A tensão era palpável, e todas esperavam ansiosamente pelo momento em que o nome da vencedora seria anunciado.
A expectativa aumentava à medida que a comissão julgadora anunciava o resultado. O quinto lugar ficou para Wanda Maria de Souza Campos, o quarto lugar para Fiorella Tavares, o terceiro lugar para Maria Inês Vieira dos Santos, o segundo lugar para Yeda Xavier. E a grande vencedora foi Marly Gonçalves Colen. A alegria tomou conta de Marly e ela recebeu os aplausos e os cumprimentos das demais finalistas. Sua conquista lhe rendeu o prêmio principal, um Volkswagen zero quilômetro, além de toda a honra e reconhecimento por sua beleza e talento.
“Não é possível, não esperava por isso”, dizia Marly ao ser proclamada a Miss Temporada de 1969. Bonita e simpática, ela era loira de olhos verdes e tinha 18 anos de idade, além de experiência em concursos de beleza. Ela havia sido a segunda colocada no concurso Miss Santos de 1968, além de ter sido eleita Miss Guarulhos e Miss Veraneio Praia Clube no mesmo ano.
Marly era, de fato, uma das favoritas do público, que a aplaudiu intensamente durante o concurso. Algumas candidatas chegaram a ser vaiadas, mas o resultado final foi bem recebido e Marly desfilou no meio de aplausos e serpentinas, sendo celebrada como a grande vencedora da temporada.
Ao final, Marly Gonçaves Colen, dona de um corpo com 1,73 de altura, 88 de busto, 93 de quadris, 61 de cintura e 56 de coxa, recebeu a faixa de “Miss Temporada 1969” e a chave dos volks zero quilômetro, durante o Grito de Carnaval no Caiçara Clube, que aconteceu naquele mesmo domingo à noite.