Chafarizes abrem alas para a mágica da distribuição de água

Instalados a partir de 1846, eles proporcionaram melhor qualidade de vida aos santistas por mais de 50 anos.

Santos, 1 de outubro de 2023. Você. Sim, você mesmo que está lendo este artigo hoje, em pleno domingão. Posso apostar que já realizou algumas dessas atividades: ir ao banheiro, escovar os dentes, tomar um banho revigorante, colocar roupas para lavar, lavar a louça do dia anterior, fazer as necessidades pessoais e acionar a descarga, regar as plantas, lavar o veículo e a calçada, e até mesmo colocar água na panela para preparar a macarronada do dia… Bem, posso ter errado em algumas suposições, mas certamente acertei algumas. E se você ainda não realizou essas tarefas, é provável que possa estar planejando fazê-las, certo? E sabe por que você consegue realizar tais atividades? Porque tem ao alcance das mãos o elemento mais importante: a água. Você já parou para pensar nos pequenos milagres que acontecem à nossa volta, que de tão naturais para nós muitas vezes passam despercebidos? Que de um pequeno lavabo de um apartamento situado no 30º andar de um prédio na Ponta da Praia, por exemplo, o precioso líquido jorra sem problemas, ao simples girar da torneira? E você já parou para pensar no caminho e nas dificuldades que cada gota enfrentou para estar ali, jorrando à sua disposição? Enfim, para entender um pouco sobre isso, teremos de voltar alguns séculos na história.

Riachos e nascentes

Durante os tempos coloniais e ao longo de um período de pelo menos trezentos anos, de 1532 a 1832, os moradores de Santos enfrentavam desafios significativos para obter água potável para suprir suas necessidades diárias, especialmente cozinhar (a higiene pessoal nem sempre era uma prioridade na época). Na vila de Santos, as nascentes do Itororó, São Jerônimo e Nossa Senhora do Desterro eram as principais fontes de abastecimento de água, embora houvesse outras menores, como as nas Duas Pedras, José Menino e Saboó. A ideia de poços artesianos era impensável, uma vez que a região de Santos era caracterizada por sua geografia estuarina, com lençóis freáticos completamente impuros. Ter água encanada era considerado um luxo inatingível para uma região tão economicamente desfavorecida naquela época.

À esquerda, o primeiro chafariz de Santos, batizado como “da Coroação”. Foi inaugurado por D. Pedro II em 1846.

Chafariz da Coroação

Após a proclamação da Independência (1822), com o aterramento dos caminhos que ligavam o pé da Serra ao porto de Santos e o subsequente uso da cidade como ponto de escoamento do produto que viria a revolucionar a economia do país (o café), a modernização do abastecimento de água encanada começou a se tornar uma realidade. Como um esforço para mostrar ao Imperador que Santos era um ponto promissor para o futuro do Brasil como nação, e aproveitando sua primeira passagem pela cidade, em 1846, era inaugurado o primeiro chafariz público, no centro do antigo Campo da Chácara, então rebatizado como Largo da Coroação (em homenagem à ascensão ao trono de D. Pedro II). Esse chafariz era abastecido por um engenhoso sistema de dutos e canos, dispostos em um arranjo de encanamento em gravidade, que se originava na nascente do Itororó e percorria um trajeto de pouco mais de 400 metros até alcançar o coração do Largo (atual Praça Mauá).

Profusão de chafarizes

A ideia foi calorosamente recebida pelos santistas, e a proposta de estabelecer novos pontos de distribuição de água encontrou forte apoio entre os líderes públicos daquela época. Com esses equipamentos, não era mais necessário ir diretamente até as nascentes de água, todas localizadas nas encostas dos morros, e nem dos ribeirões, que já a partir da metade do século 19 estavam todos contaminados pela poluição causada pelos dejetos. Conforme a cidade se desenvolvia e a prosperidade trazida pelo café permitia melhorias públicas, os chafarizes começaram a surgir em toda parte: ao longo do porto, nas proximidades da Santa Casa e nas principais praças e largos da cidade.

Estação de captação e tratamento de água do Rio Pilões.

Água que vem de longe

Com o início da captação e distribuição de água límpida e potável a partir da estação do Rio Pilões, na Serra do Mar, em 1871, localizada a 14 quilômetros de Santos, os chafarizes se tornaram os primeiros a jorrar o líquido precioso tão esperado pela população, muito antes de estar disponível nas residências. No ano de 1900, Santos já contava com mais de 20 chafarizes espalhados pela cidade, cada um apresentando estilos e materiais distintos. Entre eles havia chafarizes de alvenaria, mais antigos, e os de ferro fundido, mais recentes e elegantes.

Água nas residências decreta fim dos chafarizes

Com o avanço no sistema de abastecimento, os santistas começaram a desenvolver planos para a distribuição de água potável em suas residências. Normas técnicas nesse sentido começaram a ser implementadas já em 1871, mas ganharam ainda mais destaque com o início do programa de saneamento básico liderado por Saturnino de Brito em 1898. A partir desse ponto, o acesso à água nas torneiras das casas se tornou uma realidade para todos, marcando o início de uma transição na percepção do fenômeno que é presenciar o fluxo de água de uma torneira doméstica, antes considerado algo mágico, para algo simples e natural.

CHAFARIZES DE DESTAQUE

Chafariz do Largo Tereza Cristina

CHAFARIZ DA IMPERATRIZ

Situado no Largo da Imperatriz, que posteriormente se tornou o Largo Tereza Cristina, este chafariz foi construído durante a década de 1870 com o propósito de fornecer água para as residências da elite que se estabeleceu na região do Paquetá. Uma curiosidade sobre esse local é que ele abrigou o último poste de iluminação a gás da história de Santos.

Chafariz do Carmo

CHAFARIZ DO CARMO (OU MARTIM AFONSO)

Foi instalado em 1870, no mesmo lugar onde existiu o antigo pelourinho da cidade. Foi um dos primeiros a receber iluminação e era um dos mais concorridos, utilizado inclusive pelas casas hoteleiras do entorno.

Chafariz da São Francisco, à frente da Santa Casa

CHAFARIZ DA SÃO FRANCISCO

Chafariz público que existiu defronte à antiga Santa Casa de Misericórdia de Santos, logo atrás da Casa de Câmara e Cadeia.