Corsos, o Carnaval sobre quatro rodas

No desfile de carros do Carnaval de 1914, a Família Lovecchio foi a preferida do público.

Desfiles de carros enfeitados animarama folia santista por quase 70 anos

Santos, Carnaval de 1914. A cidade fervilhava com as celebrações da pré-quaresma católica, mergulhada em uma efervescência de alegria e tradição. Bailes majestosos, desfiles de blocos coloridos, e batalhas de confetes organizadas pelas sociedades carnavalescas enchiam as ruas e os salões dos principais clubes sociais. Grupos de choros, ranchos, cordões e outros formatos de blocos animavam centenas de foliões, mantendo viva a tradição que encantava a cidade desde 1858. Era, enfim, um verdadeiro festival de cores, músicas e animação ininterrupta.

Mas, em meio a esse turbilhão de festividades, um evento em particular destacava-se como um verdadeiro fenômeno, um show à parte que definia uma face interessante do Carnaval de Santos: os corsos automobilísticos. Os desfiles de carros finamente decorados simbolizavam o auge do esplendor da folia santista. Era nesses momentos que a cidade revelava toda a sua criatividade.

A tradição dos corsos em Santos tem suas raízes fincadas na última década do século XIX, quanto ainda não havia automóveis pelas ruas, mas charretes tracionadas por muares (burros). Elas capturavam a imaginação dos passantes e enchiam as ruas de alegria, animando em especial as crianças. Os veículos rudimentares eram utilizados nos Congressos promovidos pelas grandes sociedades carnavalescas e rodavam as vias da urbe santense exibindo um toque de magia e encantamento.

E foi assim até o raiar do Século 20. Ainda no ano de 1900 os santistas viriam testemunhar a metamorfose que tornaria as primeiras “carruagens sem cavalo” em carros alegóricos coloridos e charmosos. Os automóveis pioneiros da cidade, todos abertos (conversiveis), viriram substituir de vez as tradicionais charretes, transformando a festa de Carnaval em uma exibição ainda mais espetacular.

Estreia chocante

O marco inicial da era automobilística no Corso Carnavalesco de Santos, ocorrido em 1904, foi bem pitoresco. O desfile teve como protagonista um automóvel que, adornado com uma profusão de flores, atravessou as ruas da cidade capturando olhares de admiração e surpresa. No banco frontal, um garoto vestido de bebê empunhava orgulhosamente o estandarte dos “Filhos do Inferno”. Foi, sem sombra de dúvida, uma estreia chocante!

No Centro de Santos, os corsos eram apoiados pelo comércio. Foto dos anos 40.

Criatividade e prêmio

A imprensa santista se fartava com as coberturas dos eventos momísticos, e estava sempre esteve atenta aos movimentos carnavalescos da cidade. Um dos maiores destaques se deu em 1913, quando houve uma mistura de carros e carruagens “finamente enfeitados”, congestionando as estreitas ruas XV de Novembro e Frei Gaspar, além da pitoresca Praça Rui Barbosa. O destaque dado pela mídia motivou outros entusiastas a organizarem corsos no ano seguinte, que passou a contar com uma novidade: a entrega de prêmios para os carros mais enfeitados.

Assim, o evento automobilístico carnavalesco de 1914 entrou para a história como uma vibrante competição. E coube ao cidadão Carlos Menezes, e seu calhambeque meticulosamente decorado, a consagração como vencedor oficial do evento.  O resultado do juri não agradou, contudo, a massa presente ao desfile. O que realmente havia conquistado o coração e a atenção do público e da imprensa foi o carro decorado pela família Lovecchio. Eles sim, se tornaram  o centro das conversas e debates fervorosos que se seguiram ao Carnaval.

Nos anos seguintes, o corso santista continuou a crescer, com um número cada vez maior de carros a motor participando. Em contraste, os veículos de tração animal foram gradativamente desaparecendo, com exceção daqueles usados para fins alegóricos e comerciais. 

Festa da elite

No Carnaval de 1916, o Centro de Diversões do Miramar (que ficava na praia do Boqueirão)promoveu um corso e um concurso de carros que contou com a participação de famílias mais tradicionais da cidade, como os Catunda, Suplicy, Stockler, Murray, Simonsen, Porchat de Assis, entre outros. Naquele ano, mais de 40 veículos competiram, tendo como vencedor Eduardo Verriot, que apresentou seu carro como se fosse uma serra em movimento mecânico.

Nos anos seguintes a 1916, os corsos realizados no Miramar e na Vila Nova trouxeram novas dinâmicas às celebrações no Largo do Rosário, que ganhou vida noturna graças à sua iluminação aprimorada. Em 1919, celebrando o fim da Primeira Guerra Mundial, uma comissão destacada colaborou com as autoridades municipais e a Companhia City para organizar um grandioso corso na cidade. Este evento, marcado por um palanque julgador em frente ao Cine Politeama, realçou a magnificência do carnaval santista com competições e premiações.

Corsos em duas etapas

A partir de 1921, atendendo ao pedido dos moradores da orla praiana, o corso foi dividido em duas etapas: uma durante as tardes no Gonzaga e outra à noite na cidade, uma tradição que se manteve até 1940. Com a mudança das festividades para as praias e o aumento dos veranistas motorizados, um novo estilo de corso emergiu, principalmente nos anos 1950, caracterizado por automóveis de diversos modelos desfilando pelas avenidas à beira-mar, com foliões celebrando em um ambiente praiano descontraído. 

Década de 1920. Corso no Miramar levou novas dinâmicas ao Carnaval santista.

Extinção, volta e fim

Os corsos prosseguiram até 1966, quando foi extinto por ordem das autoridades municipais. Houve um ensaio de retorno em 1973, mas que não resistiu por muito tempo. As dificuldades do município para organizar eventos desta natureza condenaram os corsos ao desaparecimento por completo, e assim foi. 

Nos anos 1950, os corsos desfilavam pela orla da praia, onde os foliões não economizavam na diversão.