Lenda do Boxe mundial luta na Vila Belmiro e frustra espectadores

Joe Louis foi um dos maiores lutadores de boxe de todos os tempos.

Joe Louis massacra oponente em apenas dois minutos de combate. Público pagante reclamou sobre a qualidade do adversário, rotulado como “galinha morta”

Santos, 10 de maio de 1950. Os santistas amantes do Boxe estavam eufóricos com a grande notícia. Joseph Louis Barrow, ou Joe Louis, o maior pugilista de todos os tempos (até hoje é o detentor do recorde de tempo de defesa do cinturão – 13 anos, 3 meses e 5 dias – entre 22/06/1937 e 27/09/1950) enfim aparecia na famosa cidade portuária brasileira, para uma luta de exibição, uma das poucas que faria na excursão sul-americana promovida logo após sua aposentadoria dos ringues oficiais. Já dias antes, a imprensa local repercutia a presença da lenda “Brown Bomber” (Bombardeio Marrom) na cidade, onde lutaria contra um adversário pouco expressivo, o ítalo-americano Tommy Giorgio.

O ringue foi montado no centro do gramado do estádio do Santos Futebol Clube, na Vila Belmiro, para onde afluiu grande número de pessoas. O então presidente da agremiação santista, Athiê Jorge Coury, estava com o sorriso “de orelha a orelha” por ter a chance de arrecadar recursos para a reforma da sede do clube. Além da luta entre Louis e Giorgio, o evento contou com outros cinco combates: Júlio Lopes Dalman x Marcolino da Silva (peso-pena), vencido pelo segundo em três assaltos, por pontos; Pedro Galazo x Carlos Gomes (peso-pena), vencido pelo primeiro também em três assaltos e por pontos; Fausto Frizoni x Rodolfo de Castro (peso leve) empataram; e Rafael Parisi Junior x Florivaldo Gomes da Silva (peso médio), vencido pelo primeiro em cinco assaltos.

Lucio Grotone encantou campeão sul-americano

Antes da luta principal da noite, entrou no ringue o jovem campeão santista, Lucio Grotone (ele participaria dois anos mais tarde das Olimpíadas de Helsinki, Finlândia), enfrentando o lutador da Associação Atlética Guarani, da capital paulista, Guido Rado. Ainda uma promessa, Grotone dominou toda a luta, de cinco rounds, mas não conseguiu nocautear o adversário, embora o tivesse colocado algumas vezes em situação de queda. Ganhou por pontos, levando a torcida santista ao delírio. Entre os entusiasmados torcedores, um campeão sul-americano, peso pesado do boxe, ficou encantado com o estilo do boxeador santista: o chileno Arturo Godoy, que vinha atuando como adversário de Joe Louis durante sua excursão pela América Latina. Godoy convidou Grotone para ser seu aluno na academia que estava montando em São Paulo.

Joe Louis encarou o inexpressivo ítalo-americano Tommy Giorgio.

A luta da lenda

Depois de dez minutos do término da luta entre Grotone e Rado, finalmente o público santista teria o privilégio de ver de perto a grande lenda do boxe mundial, o homem que virou herói nacional nos Estados Unidos depois de derrotar o campeão europeu Max Schmeling, homem que chegou a ser utilizado por Adolf Hitler, na década de 1930, como parâmetro para provar a supremacia da raça ariana. Louis, na primeira luta contra o adversário alemão, em 19 de junho de 1936, em Nova Iorque, havia sido derrotado por Schmeling. Os nazistas, então, utilizaram a vitória como propaganda para os seus ideais. O que eles não contavam é que em 22 de junho de 1938, numa luta de revanche ocorrida no Yankee Stadium de Nova Iorque, transmitida para toda a Europa e Estados Unidos, Louis não só devolveria a derrota, como praticamente destruiria o alemão, que teve uma vértebra quebrada e um rim lesionado. Os nazistas, envergonhados, chegaram a cortar a transmissão na Alemanha.

Louis, o gigante, era o dono do cinturão dos pesos pesados de então. Estava há mais de 13 anos invicto, mas aposentado havia pelo menos um ano (iria perder o posto de nº 1 do ranking três meses depois, para o conterrâneo Ezzard Charles, em Nova Iorque). O público santista nem ligava para a aposentadoria do campeão e festejava a oportunidade de vê-lo de perto.

Lutadores, juizes e o presidente do Santos FC, Athiê Jorge Coury, posam para a foto momentos antes da luta.

Tommy Giorgio, o adversário da noite foi o primeiro a adentrar o quadrilátero montado no centro do gramado do estádio santista. Logo depois veio o ilustre convidado, ovacionado pelo público. Fisionomia fechada, olhava apenas para frente, a “poker face” como diriam seus compatriotas norte-americanos, ficando carrancudo o tempo todo. Ninguém podia dizer que a cara de poucos amigos de Louis foi determinante para deixar o lutador ítalo-americano assustado, mas que ele “estava claramente com medo” estava evidente.

Assim que soou o gongo, Louis partiu para cima de Giorgio do jeito que gostava, metódico, preciso. No primeiro minuto não parecia que o campeão mundial iria colocar toda a sua força. Ledo engano. O supercampeão golpeou a cabeça do adversário várias vezes, com rápidos e bem colocados “jabs” de esquerda. Depois, passou a concentrar seus golpes na linha baixa, atingindo duramente os rins de Giorgio. Esses socos tiraram a resistência do ítalo-americano, fazendo-o cambalear. De repente, um jab encontrou o alvo. Tommy tentou fugir, mas tomou um direto no queixo, o suficiente para leva-lo à lona. O juiz começou a contagem. Giorgio deu a impressão que se levantaria no “cinco”, mas o “dez” acabou pronunciado, dando fim ao combate.

Lenda do Boxe mundial luta na Vila Belmiro e frustra espectadores

Grande parte do público desaprovou o resultado. Eles queriam mais de Louis que, depois de ter seu braço levantado pelo juiz, saiu do ringue direto para os vestiários do Santos FC. O ítalo-americano foi vaiado pelos santistas. Afinal, ele não resistira o suficiente para que a cidade tivesse na memória uma grande luta. Na verdade, foi uma barbada para a lenda do boxe. Ele derrotara uma autêntica “galinha morta”.

Entre os espectadores estava o campeão sul-americano dos pesos pesados, o chileno Arturo Godoy (o terceiro da esquerda para a direita).
O momento da contagem final. Luta durou menos do que dois minutos.
O presidente do Santos FC, Athiê Jorge Coury, entre Louis e Giorgio, contente por realizar um evento que ajudaria na arrecadação de recursos para a reforma do estádio.
Matéria no jornal A Tribuna dava conta da “barbada”