Operário “hespanhol” que acudiu assassino é brutalmente espancado na Vila Mathias

A prática da “Justiça Com as Próprias Mãos” vem ganhando espaço importante na pauta de discussões da sociedade nos últimos tempos. Cada vez mais recorrente, diante do sentimento de impunidade que permeia a alma do cidadão brasileiro, esse assunto toma força diante das notícias, quase cotidianas, de criminosos que, apanhados pela população em flagrante delito, acabam severamente punidos por parte dela, com a mesma violência que é tão peculiar no seio da criminalidade.

Para se ter uma ideia da antiguidade desta questão tão aflitiva, reproduzimos abaixo a reportagem que narra um fato bastante similar a esta discussão. É a história de um operário espanhol, de 27 anos, que, ao acudir um homem acusado de assassinato, acaba sendo alvo da vingança de um dos linchadores. o episódio, em si, completa hoje, dia 5 de abril de 2014, exatos 100 anos.

Publicado no jornal Estado de São Paulo, edição de 6 de abril de 1914, página 2. As grafias serão mantidas, para maior deleite na leitura.

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Santos, 5 de abril de 1914

Hontem, às 19 horas, mais ou menos, assistimos a uma covarde agressão, da qual resultou ficar ferido gravemente no rosto o operário hespanhol Francisco de Barros, de 27 annos de evade.

No mez de Março findo, na rua dr. Manoel Carvalhal, nº 6, houve um conflicto sendo assassinado a tiros um operário. O assassino, que estava embriagado, foi barbaramente espancado.

Quando maior era a fúria contra o referido assassino, um do grupo, Francisco de Barros, interveiu em seu favor, impedindo que o mesmo fosse sacrificado.

Antonio dos Santos, ou Santos de Tal, o mais sanguinário do grupo, contrariado com a benéfica intervenção de Barros, prometteu, na primeira occasião, vingar-se deste.

Hontem, Santos, encontrando-se com Francisco de Barros, numa padaria, à rua Júlio Conceição, nº 30, vingou-se de um modo selvagem. Quando mal exigia uma explicação de Francisco, antes mesmo que este lhe dissesse uma palavra, Santos atirou-se sobre a sua victima empunhando uma garrafa.

Barros recebeu uma pancada na cabeça, cahindo logo aturdido.

Aproveitando-se dessa circunstância, o aggressor, com o gargallo da garrafa na mão, pois o resto estava em estilhaços, crava-o no rosto do infeliz operário, produzindo um profundo golpe.

Não contente com a barbara vingança, Santos, com uma cadeira de ferro, não obstante de ver Barros por terra ensanguentado, deu-lhe diversas pancadas.

Em seguida, o covarde aggressor evadiu-se, correndo pela estrada das Docas, até desapparecer na escuridão da noite.

Como o proprietário da padaria, sem a menor cerimônia, assiste impassível à aggressão, resolvemos intervir, solicitando o carro da Assistência, que imediatamente compareceu no local, conduzindo o ferido para a Santa Casa, onde ficou recolhido, mediante guia da polícia.

O aggressor, que reside em um cortiço vizinho à padaria, mais tarde, como a polícia não se encommodasse, voltou à sua casa e ahi, por certo, deve rejubilar-se da sua covarde vingança.

Casos como o que acabamos de noticiar, continuamente se dão nesta cidade, sem que a polícia tome a mínima providencia.

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