Há 80 anos, o Paço Municipal era inaugurado em meio às comemorações relativas aos 100 anos da elevação de Santos à categoria de cidade
Santos, 26 de janeiro de 1939. Os ares eram de júbilo na cidade portuária e praiana. A massa festiva tomava conta das ruas no entorno da nova Praça Mauá, onde, do lado voltado ao sol nascente, erguera-se um majestoso prédio, que iria abrigar a sede da municipalidade e a Câmara Municipal. A manhã daquela quinta-feira marcava a data do 100º aniversário da elevação de Santos à categoria de cidade. Era chegado finalmente o dia em que era materializado o velho sonho da “casa própria”, o local que acolheria, em definitivo, de forma justa e à altura de sua importância, os poderes executivo e legislativo locais.
A origem do pleito se dera logo após a mudança do regime de governo no Brasil, marcado pela Proclamação da República, em 1889. Em razão da consequente criação dos Conselhos de Intendência (que substituíram as Câmaras na tarefa de condução executiva das cidades), os santistas passaram a discutir caminhos para viabilizar a construção de um espaço apropriado às demandas administrativas da cidade. Ideias não faltaram ao longo das décadas seguintes. Em 1903, por exemplo, chegou-se a abrir um concurso para o recebimento de propostas à criação do novo Paço Municipal (até então, a municipalidade fazia uso de uma das alas dos famosos Casarões do Valongo – atual Museu Pelé – pagando aluguel por isso), ocasião em que foram acolhidos projetos de excelente qualidade técnica. A mesma situação voltou a ocorrer em 1927 e em 1936, sendo que só esta última “vingou”.
Apesar de interessantes as ideias encaminhadas, os santistas não conseguiam viabilizar seus planos de obras por conta da dificuldade de caixa. Somente após muitos estudos e discussões é que a Prefeitura (criada em 1907, substituindo a Intendência), apresentou uma solução para equacionar o problema: a contratação de um empréstimo bancário, junto ao Bank of London & South America Ltd., no valor de 2,26 milhões de libras esterlinas.
O início das obras
O concurso de 1936 colocou nos anais da história santista o nome do engenheiro e arquiteto Plínio Botelho do Amaral, autor da proposta considerada a mais viável para o terreno que o município havia adquirido na quadra defronte ao prédio dos Correios (inaugurado em 1924). Tão logo o projeto fora aprovado pela Câmara, o então prefeito Antônio Gomide Ribeiro dos Santos autorizou, por meio do decreto nº 138, de 8 de julho de 1936, que fossem tomadas as providências para o início das obras, que ocorreram sob o encargo da Sociedade Técnica e Comercial Anhanguera Ltda., de São Paulo, e responsabilidade do engenheiro Antônio Bayma.
Para a sustentação do imponente prédio, cuja projeção apontava um peso final de cerca de 12 mil toneladas, foi necessária a instalação de um conjunto de 258 estacas, sendo que algumas alcançaram profundidades de até 16 metros. A estrutura de concreto armado fora calculada por normas alemãs. Ao total foram empregados, aproximadamente, 3.200 metros cúbicos de concreto e 140 toneladas de ferro. As alvenarias do prédio consumiram cerca de 2,05 milhões de tijolos.
Ganhando corpo e forma
Dispondo do dinheiro emprestado pelos ingleses, as obras correram a todo vapor. Em pouco mais de um ano, o majestoso palácio santista já ganhava a forma pretendida pelos seus idealizadores. Empolgados com o avançar das etapas, os técnicos responsáveis fizeram de tudo para cumprir o prazo de entrega do prédio, para a ocasião das festividades alusivas ao centenário da elevação de Santos à categoria de cidade. A despeito da velocidade, não se economizou luxo e requinte, em especial no acabamento. Para se ter uma ideia do capricho, os pisos do hall de entrada e do primeiro andar foram feitos em mármore italiano, assim como todo revestimento da escadaria interna, que recebeu ainda corrimãos de bronze. Nas salas foram aplicados “lambris” (revestimentos de metade da parede) de madeira jacarandá pardo e jacarandá da Bahia.
No primeiro piso, considerado o “andar nobre”, foi instalada a área de sessões da Câmara Municipal, batizada como Sala Princesa Isabel (herdando o nome desde os tempos em que o local de sessões situava-se na antiga Casa de Câmara e Cadeia). Além de uma cômoda galeria para o público, o local ostentava um espetacular lustre de cristal da Bohemia, quadros que exibiam as figuras de Martim Afonso, Braz Cubas e a Princesa Isabel, e, no lugar de honra, decorações em painéis (“panneaux“) retratando a Caridade, a Justiça e a Nacionalidade. No mesmo piso, do lado frontal à escadaria fora instalado o gabinete do prefeito e o salão nobre, este decorado ao estilo Luís XVI, destinado a receber visitantes ilustres.
Nos outros pisos, o que se via era um primor em trabalhos artísticos, com destaque para os vitrais com elementos visuais que remetiam à história de José Bonifácio de Andrada e Silva, em especial os que se relacionavam com a maçonaria. Todo o mobiliário também foi custeado com o dinheiro inglês e era o mais moderno que poderia se ter na época. No embasamento foram instalados o arquivo e um grande cofre (caixa-forte), destinado a guardar os valores arrecadados pela Prefeitura. No hall de entrada, duas estátuas de bronze, esculpidas por Luiz Morrone, davam as boas vindas aos visitantes: “O Desbravador”, em homenagem aos bandeirantes paulistas, e “O Catequista”, numa justa referências aos padres jesuítas, ordem que introduziu o ensino no Brasil.
A inauguração
De estilo eclético, com predominância do neoclássico, o Paço Municipal foi inaugurado dentro do previsto, em 26 de janeiro de 1939, com grande festa na cidade. O prefeito Cyro de Athayde Carneiro (no cargo desde julho de 1938), enfim, teve o privilégio de cortar a fita inaugural e proferir as palavras o que todos desejavam: “Santos é a porta de entrada do Estado de São Paulo, como que a sua ‘sala de visitas’, onde primeiramente são recebidos os forasteiros ilustres que, pela via marítima, aqui aportam em demanda da capital. É também ponto obrigatório de todos quantos viajam pelo nosso Estado. A todos tem sempre a Municipalidade o ensejo de receber e obsequiar. Era mister que pudesse apresentar-lhes uma instalação à altura dos foros de progresso e de cultura do nosso Estado e das próprias condições de pujança da cidade...”. O prefeito Cyro estava mais do que certo pois, até hoje, o Paço Municipal é um dos nossos maiores orgulhos.
Palácio José Bonifácio
O prédio do Paço Municipal só foi intitulado Palácio e recebeu o nome do grande santista José Bonifácio de Andrada e Silva, o patriarca da Independência do Brasil, no ano de 1964, em projeto de Lei proposto pelo vereador Gilberto Guimarães. Uma placa ratificando esse novo batismo foi instalada na fachada do prédio pela ocasião do aniversário de Santos, em 26 de janeiro de 1967.
FOTOS INTERNAS DO PAÇO NO SEU PRIMEIRO ANO DE ATIVIDADE
Departamentos de finanças, recursos humanos, Biblioteca Jurídica e expediente administrativo.