Primeiro serviço de transporte coletivo em Santos começou com um golpe

Uma gôndola de passagem pelo Largo do Carmo. Arte Ribs (Santos Noutros Tempos)

Linha de carruagens que ia da cidade até a praia durou pouco menos do que seis meses. Criador do serviço fugiu de Santos levando o dinheiro dos investidores.

Santos, sexta-feira, 20 de janeiro de 1865. A italiana Clotilde Pavarino estava ansiosa à beira do cais, rezando para que lhe autorizassem a subir o quanto antes no vapor “Presidente”, cujo destino era a capital do Império, o Rio de Janeiro. Atolando em duas malas todos os seus pertences, a moça estava fugindo de um enorme escândalo que estouraria a qualquer momento, por conta da irresponsabilidade do marido sonhador que, ainda, lhe abandonara e embarcara no mesmo vapor, para o mesmo destino, havia duas semanas. Antes de rumar ao trapiche Brasil, onde estava atracado o “Presidente”, Clotilde redigiu e mandou entregar uma carta ao empresário Jorge Avelino, cujo teor prometia sacudir a cidade santista e a cabeça de diversos empreendedores: “Sr…… Faça o favor de mandar tomar conta da casa de campo da Barra, pois que parto para o Rio de Janeiro, por motivo de não saber notícia de Luiz Massoja, meu marido. E, portanto, V.Sa., hipotecário da dita casa, convém que venha gozar dos seus direitos. Me creia qual sou sua humilde criada. Clotilde Pavarino

Avelino bem que tentou impedir a fuga da esposa de seu credor, mas o vapor já havia zarpado. Ao empresário não cabia outra providência que não fosse abrir uma queixa na delegacia de polícia, ingressar com um processo na justiça e ainda informar outros doze empresários conhecidos da cidade que, como ele, haviam caído nos contos de Massoja.

Propaganda enganosa

Luiz Massoja era napolitano e chegara a Santos em fins de 1861, estabelecendo-se, com o dinheiro que trouxera na bagagem, numa pequena casa de campo localizada na Praia do Boqueirão, à esquerda do velho Caminho da Barra, na direção da Fortaleza. Ali, ele montou uma espécie de pousada, onde servia comida e oferecia facilidades para quem quisesse usufruir de banhos de mar. Mas os negócios não iam bem. O povo santista não era afeito a passeios na orla e tampouco havia viajantes de fora o suficiente para fazer uma boa féria. A cidade estava muito distante da chácara e não havia outro meio de chegar até lá que não fosse à pé ou no lombo de cavalos ou mulas. Assim, em 1863, Massoja passou a anunciar na Revista Commercial (único jornal da cidade) a venda de sua Casa de Campo, com uma chamada bastante atrativa, que não revelava as desvantagens do negócio: “Luiz Massoja, tendo de retirar-se brevemente para a Europa, vende o seu hotel, denominado Casa de Campo, situado na praia da Barra, com todos os seus pertences, benfeitorias, criação etc etc. A beleza e a salubridade do lugar, e a boa freguesia, que já adquirimos neste estabelecimento e tendo de aumentar-se, asseguram que em pouco tempo e com poucos esforços fará as vantagens que amplamente compensarão qualquer sacrifício por parte de quem o queira adquirir. Com autorização do proprietário, o anunciante transpassa também o contrato de arrendamento, com as mesmas condições e vantagens. Para ver e tratar pode o anunciante ser encontrado todos os dias na mesma casa”.

Apesar do “canto da sereia”, ninguém se interessou em adquirir o “hotel”. Desanimado, Massoja passou a elaborar alguns planos visando atrair visitantes e clientes, em busca da valorização de seu empreendimento e de uma boa “grana”. Em 1864, começou a promover “corridas de cavalos” na orla da praia, colocando o ponto de partida defronte à chácara de um vizinho de nome Leopoldo e o de chegada à frente de sua Casa de Campo, onde os espectadores podiam comer e beber à vontade. No entanto, após as duas primeiras provas, quase ninguém voltou a frequentar as corridas. O maior problema ainda residia na dificuldade de acesso ao local. Foi aí que o italiano teve uma brilhante sacada, enquanto olhava os cavalos correndo. Porque não criar um serviço de gôndolas (carruagens) até seu hotel, igual ao que ele conhecera no Rio de Janeiro?

Pioneirismo no transporte coletivo

Assim, em maio de 1864, Massoja anunciou aos quatro cantos da cidade que organizaria, por associação, um serviço regular de transporte, em gôndolas, desde o Largo do Chafariz (atual Praça Mauá) até a Praia da Barra, ainda que não entendesse “bulhufas” do negócio. Mas, aos santistas, anunciou que entendia o suficiente do empreendimento e que precisava de sócios. Dessa forma, a fim de levantar os recursos necessários para garantir a compra das carruagens e dos cavalos, montou um sistema de cotas, e foi bem sucedido em sua empreitada. Em 13 de julho de 1964, o italiano inaugurava o serviço, com carros partindo diariamente da Barra para o Largo do Chafariz, às 7h30 e 15 horas, e no caminho inverso às 9h e 16h30. Seus acionistas, entretanto, não aprovaram os horários e pediram que mudassem para 14h30 e 18h30 da Barra para o Largo da Chafariz e das 13h30 e 17h30 no caminho inverso. Em outubro, um horário extra foi criado para o período da manhã, embora sem muita justificativa, já que o serviço não estava sendo tão concorrido. O problema se concentrava no alto preço das passagens, chegando a quase 1.000 réis (o equivalente a R$ 25,00 nos dias de hoje) só a ida, por pessoa. A maior parte dos santistas não podia se dar ao luxo de pagar o que Massoja cobrava. Desta forma, o serviço decaia a cada mês.

O pouco movimento de usuários era registrado ainda em função dos clientes da Casa de Campo. Massoja, porém, dizia que os negócios iam de vento em popa e, por isso, chegou a pedir aos acionistas um pouco mais de dinheiro, alegando que seriam utilizados para a aquisição de outra carruagem, que ele compraria no Rio de Janeiro. Novamente foi bem sucedido na coleta e, assim, com um bom volume de réis no bolso, partiu para a capital imperial no dia 5 de janeiro de 1865, mas de lá não voltou.

Apenas Jorge Avelino e José Antônio Pereira dos Santos desconfiaram do golpe. Avelino, talvez prevendo problemas, chegou a obter a Casa de Campo em hipoteca como garantia de seus investimentos. No dia 20, ele pretendia cobrar a esposa do “golpista”, mas ela foi mais rápida e também fugiu para o Rio de Janeiro, deixando-lhe apenas uma carta com um pedido de desculpas.

Ali se encerrava a curta história dos Massoja em Santos, bem como a do primeiro sistema de transporte coletivo que a cidade teve. Por alguns meses, os santistas voltariam a transitar, quando não à pé, no lombo de cavalos e mulas, até o ressurgimento do serviço de carruagens com a criação da Companhia Diligências Guanabara, que chegou até a criar linhas para São Paulo. Em 1871, porém, iniciou-se um novo capítulo na história do transporte coletivo de Santos, com a introdução dos bondes. Mas aí, já temos outra novela.