Reconhecimento Internacional na Enciclopédia Comercial de 1922

Em 1922, a cidade santista conquistou um lugar de destaque na terceira edição seccional da Enciclopédia Commercial, publicação oficial da Câmara de Comércio Britânica e Latino-Americana. Ao lado de outros grandes centros industriais e portuários da Argentina, Chile, Peru e Uruguai, Santos figurou entre os núcleos estratégicos do comércio sul-americano, reforçando sua posição como um dos principais polos logísticos e econômicos do Brasil. Editada sob a chefia de Walter Feldwick e com coordenação editorial de W.H. Morton Cameron, a obra reuniu dados, estatísticas, imagens e descrições minuciosas das cidades que já se mostravam vitais ao comércio internacional, sobretudo aos interesses europeus na América Latina.

A inclusão de Santos nesse volume não foi fortuita. Naquele início de século XX, o porto santista já era reconhecido como o maior do país, responsável por escoar grande parte das exportações de café — principal produto da pauta brasileira. Com uma infraestrutura que se modernizava rapidamente e com empresas ferroviárias, armazéns e instalações alfandegárias em plena atividade, a cidade atraía capitais, investimentos e conexões internacionais. Ao registrar sua relevância em uma publicação voltada ao mundo empresarial europeu, a Enciclopédia Commercial atestava a projeção que Santos alcançava além das fronteiras nacionais, apresentando-a como ponto de entrada privilegiado para quem desejava entender — e penetrar — o mercado brasileiro.

Elaborada com fins práticos e estruturada para fácil consulta, a obra trazia dados objetivos, quadros comparativos e diretórios comerciais, priorizando a clareza e a utilidade para empresários e industriais. O caráter visual da publicação, com farto uso de ilustrações de empreendimentos, contribuía para que se conhecessem, mesmo à distância, as potencialidades de cada cidade listada. Para Santos, isso significava uma enorme visibilidade, além do reconhecimento formal de seu papel no avanço da economia brasileira. A cidade aparecia, assim, como um cenário de um porto movimentado, peça fundamental no tabuleiro da expansão industrial e comercial sul-americana, inserida num contexto de modernidade, competitividade e abertura ao capital estrangeiro.

Um panorama das grandes empresas em Santos

Com cerca de 90 mil habitantes, Santos experimentava um processo acelerado de urbanização e desenvolvimento técnico. A cidade possuía uma rede de bondes elétricos eficiente, ruas arborizadas, modernos sistemas de esgoto e abastecimento de água, iluminação elétrica e serviços de gás — operados pela City of Santos Improvements Co., Ltd., empresa de capital britânico fundada em 1880. Essa companhia, além de responsável pelo fornecimento de água potável e energia elétrica à cidade, operava o serviço de bondes urbanos e intermunicipais (Santos–São Vicente), investia na construção de habitações populares para seus trabalhadores e mantinha oficinas, pedreiras e instalações industriais que garantiam suporte ao crescimento da cidade.

A infraestrutura portuária, vital para o escoamento do café paulista — que representava a maior fatia da pauta de exportações do Brasil —, era operada pela Companhia Docas de Santos. Desde a sua criação, em 1892, a empresa havia revolucionado as operações portuárias com a instalação de cais modernos, guindastes hidráulicos e elétricos, linhas ferroviárias internas e sistemas automatizados de embarque de café. A energia necessária para movimentar esses equipamentos era fornecida por uma usina construída especialmente para esse fim, em Itatinga. Em 1920, o porto de Santos registrava a passagem de 3.558 embarcações e a movimentação de mais de 1,6 milhão de toneladas de mercadorias — números que o colocavam como o maior do país em volume de carga.

O setor bancário, impulsionado pelo dinamismo do comércio de exportação, era outro pilar da estrutura econômica santista. A Rua 15 de Novembro, no centro da cidade, concentrava uma impressionante variedade de instituições financeiras nacionais e estrangeiras, que ofereciam serviços voltados ao câmbio, à custódia de valores, à concessão de crédito e ao financiamento de operações comerciais. Entre os bancos presentes destacavam-se o Banco Nacional Ultramarino, de origem portuguesa; o Royal Bank of Canada; o London & River Plate Bank (afiliado ao Lloyds Bank); o Hollandsche Bank voor Zuid-Amerika, dos Países Baixos; e o Banco Italiano di Sconto, representando o capital financeiro italiano. A maioria desses bancos possuía modernas sedes na cidade e oferecia aos clientes acesso direto a redes internacionais, com agências em Nova York, Londres, Paris, Lisboa e Buenos Aires.

No campo da construção civil, a Cia. Constructora de Santos, fundada pelo engenheiro Robert Simonsen, liderava um amplo processo de modernização urbana. A empresa havia edificado o Palácio da Bolsa, o Teatro e o Hotel Parque Balneário, o Jockey Club e o matadouro-modelo da cidade. Com um portfólio diversificado, a companhia atuava ainda na construção de armazéns, vilas operárias e no calçamento de ruas, sendo um dos principais agentes da transformação paisagística de Santos no início do século XX.

As atividades industriais também se expandiam. A Amaro, Martins & Irmão, fundadora da Metallurgica Santista, destacava-se na fabricação de equipamentos agrícolas e industriais, além de realizar reparos navais e manutenção de automóveis — uma prova de que a cidade começava a diversificar sua base produtiva, antes fortemente atrelada ao setor de serviços e comércio exterior. Outras companhias, como a F.S. Hampshire & Co., especializadas em importação e exportação, fortaleciam os laços comerciais entre Santos e o mercado europeu, promovendo o fluxo de mercadorias como café, sementes, pescado e produtos manufaturados.

No setor de navegação, diversas linhas internacionais mantinham agências em Santos. Empresas como a Chargeurs Réunis, Sud-Atlantique, North & South Atlantic Line, Johnson Line, Wilson, Sons & Co., Fredrik Engelhart (Norwegian South America Line) e Pereira Carneiro & Co. operavam rotas regulares com navios de carga e passageiros, conectando o porto santista às principais capitais da Europa, da América do Sul e dos Estados Unidos. Essas companhias eram responsáveis não apenas pelo transporte de mercadorias, mas também pela introdução de novas tecnologias navais e pela circulação de profissionais, investidores e turistas.

Essas forças combinadas — capital estrangeiro, know-how técnico, articulação com mercados internacionais e uma base urbana eficiente — explicam o protagonismo que Santos assumia na publicação britânica. A cidade não era apenas um entreposto portuário: era um modelo de cidade industrial em potencial, um polo urbano em rápida ascensão, com estrutura e ambição para competir com os principais centros do Cone Sul. O reconhecimento na Enciclopédia Comercialselava esse momento histórico, tornando visível para o mundo o que já era sentido em solo santista: que ali nascia uma das cidades mais modernas, conectadas e relevantes do Brasil republicano.