Em 1878, em Portugal, a Typographia de Mattos Moreira & Cia lançava a segunda edição do Semanário de Instrução e Recreio “Universo Illustrado”, que trazia textos de crônicas, contas e informações gerais sobre cidades portuguesas e brasileiras. Nesta edição, a cidade de Santos foi contemplada, inclusive com uma imagem produzida em “Bico de Pena”, mostrando um panorama do Valongo, com seus casarões gêmeos (onde hoje está o Museu Pelé) e a Estação de Trem.
Veja abaixo a íntegra do artigo publicado nesta edição de 1878.
BRASIL – A CIDADE DE SANTOS
A cidade de Santos, representada em nossa gravura, está situada na província de São Paulo (Brasil), a 60 km da capital. Notável pelo seu comércio e importante pela situação marítima, é o empório para onde se dirigem quase todos os produtos agrícolas da Província. A sua população é calculada em 10.000 almas.
Descoberto em 21 de janeiro de 1531 (na verdade, em 22 de janeiro de 1532), o porto onde foi criada a vila de S. Vicente, por Martim Afonso de Souza, teve este navegador de procurar um outro porto seguro, em consequência de ter-se obstruído a barra d’aquele. D’estas pesquisas resultou a descoberta da barra de Guarapissumã (hoje Barra Grande) que dava entrada para o porto de Santos, que então era habitado por Domingos Pires e Paschoal Fernandes.
Em 1536, habitando Braz Cuba as terras denominadas Jerybatiba, achando-as a grande distância do centro povoado e, além d’isso, mesquinhas e acanhadas para o desenvolvimento pratico do plano que linha em mente, houve, de um dos associados estabelecidos nas terras adjacentes ao porto, a parte em que entrava o morro de Santa Catharina, e começando logo a lançar ali os fundamentos de uma nova povoação, que foi rapidamente aumentada pelo concurso das circunstâncias locais de que se souberam aproveitar muitos dos habitantes da vila de São Vicente, que caía em decadência à medida que a sua rival prosperava, o que deu incremento ao desenvolvimento da atual cidade.
Santos, além da Barra Grande, pela qual entram navios de grande lote, tem ainda a barra da Bertioga, que só é accessível a pequenas embarcações. Não se pode assegurar a época em que elevada à categoria de vila. Apenas por duas escrituras, passada pelo tabelião Pedro Fernandes e assignadas por Braz Cubas, se sabe que foi entre 1545 e 1546, sendo-lhe concedidos os foros de cidade em princípios d’este século.
Possui alguns edifícios históricos, como a Santa Casa da Misericórdia, criada por Braz Cubas em 1551; a igreja e convento do Carmo, começado em 1589; os primeiros edifícios desta ordem, fundados em todo o Império, e a igreja Matriz, onde se acha sepultado Braz Cubas; e outros importantes, como: a Cadeia, o Hospital da Sociedade Portuguesa de Beneficência, e a nova Alfândega (em construção sobre os alicerces do antigo Colégio dos Jesuítas), a qual foi orçado em 750:000$000 réis.
Possui ainda onze igrejas e capelas, além de cinco filiais nos arrabaldes. Tem, também, alguns edifícios particulares bem importantes; as propriedades do falecido comendador Ferreira Netto, as de Antônio de Freitas Guimarães, as do comendador Nicolau Vergueiro, etc.
Quanto ao movimento comercial, Santos é uma das principais cidades do Império. Tem algumas agencias de companhias de paquetes a vapor, entre as quais contam-se: uma, direta, que comunica com o Rio de Janeiro; uma inglesa, de Liverpool; uma francesa, do Havre; uma alemã, de Hamburgo; uma italiana, de Gênova; e mais duas brasileiras, intermediarias.
É centro de algumas linhas de estradas de ferro, que vêm ligar-se à primitiva, que é a da Companhia Inglesa, a qual tem por estação principal esta cidade. As companhias que ramificam com esta são: a Paulista, a Mogiana, a ituana e a Sorocabana.
Atualmente há a companhia do norte, que liga a capital ao Rio de Janeiro. Os dois mais aprazíveis arrabaldes da cidade são: praia da Barra e a vila de S. Vicente, para os quais há linhas de carris de ferro americanos, propriedade de duas companhias brasileiras.
Quase todas as suas ruas são bem calçadas, iluminadas a gás, e é abundante em águas potáveis.
Esta cidade tem sido berço de diversos homens notáveis: entre estes contam-se: os heróis da Independência do Brasil, conselheiro José Bonifácio de Andrade e Silva e seus dois irmãos Antônio Carlos e Martim Francisco; o visconde de S. Leopoldo; o padre Bartolomeu de Gusmão, inventor dos balões aerostáticos e que fez a primeira experiência de sua máquina em Lisboa aos 8 de agosto de 1709; e Alexandre de Gusmão, que se tornou notável pelos valiosos serviços prestados a D. João V.
Em 30 de agosto de 1871 perdeu ainda um de seus filhos mais notáveis pelo talento, orador eloquente e poeta inspirado, o doutor Joaquim Xavier da Silveira, moço de grandes esperanças para o país.
Um dos filhos mais diletos d’esta cidade, é, inquestionavelmente, o conselheiro José Bonifácio de Andrade e Silva (residente na capital), filho de um dos patriarcas da independência, o qual é, até pelos estrangeiros, considerado, pela sua inteligência, ilustração, probidade e honradez, um dos raros homens não só no Brasil como em toda a Europa.
Santos, 30 de julho de 1877
V.C. Carneiro Lima