Xicko’s Brinquedos, a loja que conquistou gerações inteiras de crianças santistas

Muitas vezes, o que parece ser um grande contratempo, pode se revelar uma enorme oportunidade, uma chance de administrar um case de sucesso. Isso vale tanto para a vida e os seus caminhos, como para o rumo dos negócios. Pois este foi, e ainda é, o roteiro de vida de um dos estabelecimentos comerciais mais antigos e tradicionais da cidade de Santos, a Xicko’s Brinquedos.

Nemésio Barros começou toda esta história, nos anos 1930, com o Empório Modelo, já no imóvel da Azevedo Sodré com Jorge Tibiriçá.
Nemésio Barros começou toda esta história, nos anos 1930, com o Empório Modelo, já no imóvel da Azevedo Sodré com Jorge Tibiriçá.

Acelerando na direção do passado, esta é uma história que teve sua origem nas mãos do comerciante Nemésio Barros que, em 1930, depois de unir-se em casamento com Lucinda Rocha, decidiu construir sua vida no pacato sobrado de uso misto (residencial e comercial) localizado na esquina das ruas Azevedo Sodré e Jorge Tibiriçá, no então jovem e crescente bairro do Gonzaga. O negócio da família, um estabelecimento de “secos e molhados” (alimentos – muitos deles em grãos – e bebidas) chamado Empório Modelo, com a dedicação de Nemésio, logo se tornaria uma referência para os moradores das redondezas.

E assim, por vinte anos, o Empório Modelo cumpriu rigorosamente seu papel como um dos principais estabelecimentos do bairro, atendendo não só a clientela fixa do Gonzaga, como os inúmeros veranistas que passavam em Santos os seus períodos de férias, em especial nas temporadas de Verão. Mas, nos anos 1950, com o advento dos primeiros estabelecimentos rotulados como “supermercados”, o negócio de Seu Nemésio passou a enfrentar uma situação de declínio. De um lado, em razão da forte concorrência gerada por estas lojas alinhadas a um novo perfil de compra (o autoatendimento) e, por outro, pelo fato de que elas possuíam mais fôlego para negociar mercadorias com seus fornecedores. A esta época, o casal Barros já tinha uma filha, Rosalia, que se unira em matrimônio com o jovem Fernando Menezes Barbosa. Após a morte do patriarca da família, o novo casal resolveu assumir as rédeas do Empório, porém decidido a mudar o rumo dos negócios, abandonando a linha “secos e molhados” e entrando em um novo segmento. Fernando buscou várias alternativas, até que percebeu que o seu gosto pessoal por modelismos (miniaturas), em especial trens elétricos, poderia se tornar um negócio muito interessante, como, de fato, tornou-se. Assim, do contratempo de ter que abandonar um negócio de família que funcionava há mais de duas décadas, em função da mudança do perfil de compra da sociedade, os Barros construíram um novo caminho que prometia um futuro promissor.

Fernando Menezes Barbosa, com o filho Ricardo. Nas mãos do menino, uma das famosas caixinhas de autorama, onde havia carrinhos, controles e ferramentas para consertos.
Fernando Menezes Barbosa, com o filho Ricardo. Nas mãos do menino, uma das famosas caixinhas de autorama, onde havia carrinhos, controles e ferramentas para consertos.

O hobby que virou ganha pão

Depois de adaptar o velho espaço do Empório, Fernando e Rosalia fizeram nascer a Hobbies Modelo, um estabelecimento dedicado à venda de miniaturas e brinquedos, que rapidamente ganhou fama na cidade e se tornou referência no segmento. No final dos anos 1950, eles resolveram trazer dos Estados Unidos um tipo de modelismo que já era febre entre os norte-americanos: o Autorama. A pista montada na loja da Azevedo Sodré, em Santos, foi uma das primeiras do Brasil, uma vez que o brinquedo só passou a ser comercializado em larga escala apenas em 1963, pela Mobral Modelismo, de São Paulo e, no ano seguinte, fabricado pela Estrela, licenciada pela Gilbert (empresa que produzia pistas e carrinhos nos EUA).

Com a novidade, a loja da família Barros Barbosa ganhava definitivamente o coração dos santistas e se consolidava como um importante ponto de encontro para dezenas de crianças. Isso se traduzia nas longas filas que se formavam logo nas primeiras horas da manhã por meninos munidos de suas maletinhas carregadas de carrinhos, peças e instrumentos para uso na pista, todos à espera da Hobbies Modelo abrir suas portas.

Proibido entrar com a roupa do colégio

Dona Rosalia ficava entusiasmada com o movimento e a alegria transmitida pelas crianças, mas também, como boa mãe que se tornou, não admitia que entrasse na sua loja quem estivesse “bolando” aula. Para coibir, adotou a regra de não permitir a entrada na loja de crianças com uniforme da escola. Mas a molecada “dava sua volta” e, como depois descobriu, “colocavam outra roupa, usando como vestiário uma banca de jornal que havia perto da loja”. Essa preocupação e proibição, ao menos não valia para o sábado, o dia de maior movimento na casa.

A molecada já começava a formar fila logo cedo, em especial nas férias, antes mesmo da loja abrir.
A molecada já começava a formar fila logo cedo, em especial nas férias, antes mesmo da loja abrir.

Pista de Autorama “exportada”

Nas temporadas de Verão, o programa preferido de centenas de jovens santistas (e muitos turistas) era ir até a Hobbies Modelo e fazer “voar” seus carrinhos na enorme pista de autorama montada em 1966, substituindo a acanhada pista inaugural. Ricardo Barros Barbosa, filho de Rosalia e Fernando, representante da terceira geração na casa, nasceu justamente em meio ao início desta coqueluche estabelecida na loja dos seus pais. Ele lembra que alguns anos mais tarde, já na década de 1970, quando o Brasil passou a revelar grandes pilotos para a badalada Fórmula 1, como os irmãos Emerson e Wilsinho Fittipaldi, testemunhou o crescimento da frequência de modelistas de autorama, inclusive meninas. “Grande parte delas acompanhava seus irmãos e se divertia tanto quanto”, contou Ricardo. A partir desta potencialização, a ligação da Hobbies Modelo com o mundo automotivo ficou tão estreita que, em 1972, Fernando Barbosa resolveu expor no ambiente da loja uma réplica do carro Fórmula 1 utilizado por Emerson Fittipaldi na campanha que o levou ao seu primeiro título na categoria, a famosa Lotus Preta, que muita gente chamava de John Player Special, por conta do patrocínio estampado na carroceria. Essa atração despertou ainda mais curiosidade para o brinquedo que transformou o lugar num dos maiores centros de lazer da cidade.

A know-how adquirido com a montagem de autoramas fez com que Fernando Barbosa fosse convidado pela Prefeitura de Santos a montar uma pista experimental no Parque Rebouças, na Ponta da Praia. Esta foi a primeira experiência, de muitas, que o modelista teve como “exportador” do seu conhecimento.

Seu Francisco Ferreira, o Chico, funcionário da loja que se inspirou em sua dedicação para rebatiza-la.
Seu Francisco Ferreira, o Chico, funcionário da loja que se inspirou em sua dedicação para rebatiza-la.

A transformação em Xicko’s

Além de Dona Rosália e seu marido, Fernando, a loja da Azevedo Sodré tinha como um dos funcionários um velho colaborador dos tempos do Empório Modelo: Francisco Ferreira, que toda a garotada conhecia como “Seu Chico”. Era ele quem mantinha mais contato com os jovens clientes e, sempre que podia, ajudava nas corridas de finais de semana e também na parte do conserto dos carrinhos. Seu Chico era como se fosse uma espécie de “Diretor de Prova”, sendo ele a autoridade máxima na maior atração da Hobbies Modelo, a gigantesca pista de Autorama. Com tamanha ligação ao brinquedo, via de regra, a criançada se acostumou a falar aos pais que iam brincar na “Loja do Seu Chico” que, consequentemente, se tornou uma referencia indicativa à loja da família Barros Barbosa. Percebendo a ligação popular construída, Fernando, então, pediu licença ao velho colaborador para utilizar o seu nome e rebatizar o estabelecimento. “Ele era como uma pessoa da família e vivia sua vida dentro da loja”, relatou Rosalia. Foi assim que nasceu a Xicko’s, porém com uma nomenclatura americanizada, uma estratégia de marketing necessária para aqueles tempos em que havia forte influência cultural dos Estados Unidos no Brasil. Francisco, o Chico, trabalhou como gerente da loja até o ano de 2002, quando faleceu.

A Xicko’s hoje

Em 1990, Fernando, o gestor do negócio passou a direção para Ricardo e se manteve dando apoio e orientações até seu falecimento em 2008. Ao longo do tempo, a Xicko’s foi se adaptando às novas tecnologias e testemunhou a passagem, por suas prateleiras, de várias gerações de brinquedos, muitos deles tornados febres entre a criançada. “Tivemos o surgimento do videogame, dos jogos de tabuleiro, do gênius, dos cavaleiros do zodíaco, do pokemon, enfim, não teve brinquedo que não tenha passado por aqui”, disse.

Em 1999, Ricardo resolveu ampliar o raio de ação da empresa e inaugurou a segunda loja, na Pedro Lessa, 2.361, ficando responsável pelo lugar a sua esposa, Sirlene Gonçalves Barbosa. Nos anos seguintes, o ritmo de expansão aumentou, com o surgimento de unidades em São Vicente (2003), Cubatão (2004), Epitácio Pessoa (2009), Vila Mathias (2010), Shopping Brisamar, São Vicente (2013), Floriano Peixoto (2014) e Guaiaó (2016).

Assim, com mais de oitenta anos no comércio, sendo mais de sessenta no ramo de brinquedos, a família Barros Barbosa se mantém firme na tradicional área comercial santista, e chegou a receber importantes prêmios do setor, como os oferecidos pela revista Espaço Brinquedoespecializada no segmento, que reconheceu a Xicko’s como destaque nacional entre as lojas especializada de Médio Porte, em 2013 e como loja destaque na Região Sudeste, em 2015.

 Outras imagens

A réplica da Lotus que Fittipalidi utilizou para conquistar o mundial de Fórmula 1 de 1972.
A réplica da Lotus que Fittipalidi utilizou para conquistar o mundial de Fórmula 1 de 1972. Na imagem, Ricardo Barros, filho de Fernando e Rosalia.
Seu Fernando, consertando peças de brinquedos em sua loja.
Seu Fernando, consertando peças de brinquedos em sua loja.
Chico, Ricardo, Rosalia e Fernando, a turma mais conhecida do "mundo dos brinquedos" em Santos. Foto dos anos 1990.
Chico, Ricardo, Rosalia (Lia) e Fernando, a turma mais conhecida do “mundo dos brinquedos” em Santos. Foto dos anos 1990. Em 2016, Lia ainda atua na direção da empresa, aos 84 anos de idade.
A famosa pista de autorama, uma das maiores atrações da cidade por cerca de 40 anos.
A famosa pista de autorama, uma das maiores atrações da cidade por cerca de 40 anos.

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