Santos na formação de marinheiros sob a visão da revista Liga Marítima Brasileira em 1913

Em 1913, a revista Liga Marítima Brasileira, então já consolidada como o órgão oficial da Marinha do Brasil, escolheu destacar, em suas páginas, a jovem Escola de Aprendizes Marinheiros de Santos —fundada apenas dois anos e meio antes e que rapidamente se tornava referência no preparo de jovens para a vida no mar. O feito da cidade e da escola foi exaltado num texto extenso e entusiasmado, que hoje, mais de um século depois, permite reconstituir a importância estratégica que Santos já representava para o Brasil na formação naval.

Fundada em 1851 pelo Primeiro-Tenente Sabino Elói Pessoa, a Liga Marítima Brasileira não poupou palavras ao defender a relevância nacional das Escolas de Aprendizes. Segundo o artigo, “esta Revista não perde ensejo de preconizar a salutaríssima e benemérita instituição, genuinamente brasileira, das Escolas de Aprendizes Marinheiros”, deixando claro o prestígio atribuído àquelas iniciativas de educação cívico-militar espalhadas pelos litorais do país. E entre elas, a de Santos mereceu atenção especial.

O reconhecimento não se dava apenas por sua instalação recente, mas pela importância geográfica de Santos: um dos principais portos do Atlântico Sul, estratégico não só para o comércio, mas também como ponto de formação para o poder naval brasileiro. A posição de Santos, à beira do Atlântico, próxima à capital e com fácil ligação com o interior do Estado de São Paulo, tornava-a naturalmente vocacionada para sediar um centro de formação de marinheiros.

A reportagem evidenciava que o objetivo da Escola era muito mais abrangente do que simplesmente abastecer a Marinha de Guerra. Embora reconhecesse que “o pessoal para os efetivos da Armada deve ser pedido ao sorteio naval”, o artigo frisava que as Escolas de Aprendizes cumpriam um papel complementar vital: “fornecem à marinha contingentes já adestrados, já iniciados nas diferentes especialidades dos serviços de bordo e mais ou menos já familiarizados com as asperezas desta vida de convés”.

Assim, a cidade de Santos era projetada como um berço de futuros marinheiros que, ainda jovens, ganhavam não apenas instrução militar, mas também formação cívica e profissional. A revista destacava que estas instituições eram “verdadeiros asilos da infância pobre”, onde o “filho do povo” encontrava oportunidades de ascensão social à sombra da bandeira nacional.

A Escola de Santos, instalada no antigo forte Augusto, na Ponta da Praia, ocupava um vasto terreno de 118 metros de frente por 1.100 metros de fundo. A descrição publicada na revista, rica em detalhes, ressaltava que o edifício, “dividido em dois pavimentos”, era “imponente” e possuía “estilo arquitetônico”, sendo “um dos melhores das diferentes Escolas da marinha”. A infraestrutura da instituição, moderna para a época, incluía enfermaria, salas de aula, dormitórios organizados e espaços para práticas físicas e esportivas, como futebol e natação, fundamentais para a formação física dos futuros marinheiros.

O texto original faz questão de enaltecer o espírito de dedicação e patriotismo que marcava o corpo de oficiais da Escola, dirigidos então pelo capitão de corveta Jorge Marquês Coelho. Com entusiasmo, afirma-se que “o comandante Coelho é a cabeça e a alma desse excelente instituto de Santos”, um oficial que “tem sabido manter nessa Escola um nível de seriedade e aproveitamento moral orientado pelos objetivos que determinam a existência de tais estabelecimentos”.

A reportagem ainda mencionou com orgulho que, no ano anterior, a instituição havia enviado vinte alunos à Escola Modelo do Rio de Janeiro para completar sua formação, ressaltando o futuro promissor reservado àqueles jovens, muitos dos quais, uma vez formados, alcançariam patentes respeitáveis ou teriam garantidos meios para uma vida digna na sociedade civil.

Para ilustrar o ambiente de dedicação e esperança que emanava da instituição santista, o artigo também recordava histórias individuais de superação, como a de Julio Guilherme Lohse, promovido a primeiro-sargento por mérito próprio. Esta promoção simbolizava o espírito da Escola de Santos, que, sob rigor e estímulo, cultivava não apenas marinheiros, mas cidadãos úteis e honrados.

O elogio não se restringia à direção e ao corpo docente. Com igual entusiasmo, a revista apresentava “os infatigáveis instrutores” e oficiais de apoio, como o cirurgião Samuel do Prado, os tenentes Mario Borges e Rocha Pombo, e até o capelão e o professor de instrução elementar, fundamentais na formação integral dos aprendizes. Era uma comunidade comprometida com o ideal de que “desde o diretor até o mais humilde aluno, todos se envaidecem de cumprir com seu dever”.

Assim, a publicação de 1913, revelou que a escolha de Santos como sede para uma Escola de Aprendizes refletia sua importância como cidade portuária, sua infraestrutura em expansão e seu espírito progressista, capaz de se unir ao governo federal na missão de fortalecer o país por meio da educação e da formação cívica.

Mais de cem anos depois, reler o artigo da Liga Marítima Brasileira é trazer à luz um momento de grande orgulho para a história santista.